Visão Espírita da Páscoa

Tempo de leitura: 6 minutos

Eis-nos, uma vez mais, às vésperas de mais uma Páscoa

Nosso pensamento e nossa emoção, ambos cristãos, manifestam nossa sensibilidade psíquica.

Deixando de lado o apelo comercial da data, e o caráter de festividade familiar, a exemplo do Natal, nossa atenção e consciência espíritas requerem uma explicação plausível do significado da data e de sua representação perante o contexto filosófico-científico-moral da Doutrina Espírita.

Deve-se comemorar a Páscoa?

Que tipo de celebração, evento ou homenagem é permitida nas instituições espíritas?

Como o Espiritismo visualiza o acontecimento da paixão, crucificação, morte e ressurreição de Jesus?

Em linhas gerais, as instituições espíritas não celebram a Páscoa, nem programam situações específicas para “marcar” a data, como fazem as demais religiões ou filosofias “cristãs”.

Todavia, o sentimento de religiosidade que é particular de cada ser-Espírito, é, pela Doutrina Espírita, respeitado, de modo que qualquer manifestação pessoal ou, mesmo, coletiva, acerca da Páscoa não é proibida, nem desaconselhada.

O certo é que a figura de Jesus assume posição privilegiada no contexto espírita, dizendo-se, inclusive, que a moral de Jesus serve de base para a moral do Espiritismo.

Assim, como as pessoas, via de regra, são lembradas, em nossa cultura, pelo que fizeram e reverenciadas nas datas principais de sua existência corpórea (nascimento e morte), é absolutamente comum e verdadeiro lembrarmo-nos das pessoas que nos são caras ou importantes nestas datas.

Não há, francamente, nenhum mal nisso.

Mas, como o Espiritismo não tem dogmas, sacramentos, rituais ou liturgias, a forma de encarar a Páscoa (ou a Natividade) de Jesus, assume uma conotação bastante peculiar.

Antes de mencionarmos a significação espírita da Páscoa, faz-se necessário buscar, no tempo, na História da Humanidade, as referências ao acontecimento. A Páscoa, primeiramente, não é, de maneira inicial, relacionada ao martírio e sacrifício de Jesus. Veja-se, por exemplo, no Evangelho de Lucas (cap. 22, versículos 15 e 16), a menção, do próprio Cristo, ao evento:

“Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes da minha paixão. Porque vos declaro que não tornarei a comer, até que ela se cumpra no Reino de Deus.”


Evangelho de Lucas (cap. 22, versículos 15 e 16)

Evidente, aí, a referência de que a Páscoa

Já era uma “comemoração”, na época de Jesus, uma festa cultural e, portanto, o que fez a Igreja foi “aproveitar-se” do sentido da festa, para adaptá-la, dando-lhe um novo significado, associando-o à “imolação” de Jesus, no pós-julgamento, na execução da sentença de Pilatos.

Historicamente, a Páscoa

É a junção de duas festividades muito antigas, comuns entre os povos primitivos, e alimentada pelos judeus, à época de Jesus.

Fala-se do “pessah”, uma dança cultural, representando a vida dos povos nômades, numa fase em que a vinculação à terra (com a noção de propriedade) ainda não era flagrante.

Também estava associada à “festa dos ázimos”, uma homenagem que os agricultores sedentários faziam às divindades, em razão do início da época da colheita do trigo, agradecendo aos Céus, pela fartura da produção agrícola, da qual saciavam a fome de suas famílias, e propiciavam as trocas nos mercados da época.

Ambas eram comemoradas no mês de abril (nisan) e, a partir do evento bíblico denominado “êxodo” (fuga do povo hebreu do Egito), em torno de 1441 a.C., passaram a ser reverenciadas juntas.

É esta a Páscoa que o Cristo

Desejou comemorar junto dos seus mais caros, por ocasião da última ceia. Logo após a celebração, foram todos para o Getsêmani, onde os discípulos invigilantes adormeceram, tendo sido o palco do beijo da traição e da prisão do Nazareno.

Mas há outros elementos “evangélicos” que marcam a Páscoa.

Isto porque as vinculações religiosas apontam para a quinta e a sexta-feira santas, o sábado de aleluia e o domingo de páscoa. Os primeiros relacionam-se ao “martírio”, ao sofrimento de Jesus – tão bem retratado neste último filme hollyodiano (A Paixão de Cristo, segundo Mel Gibson) –, e os últimos, à ressurreição e a ascensão de Jesus.


No que concerne à ressurreição

Podemos dizer que a interpretação tradicional aponta para a possibilidade da mantença da estrutura corporal do Cristo, no post-mortem, situação totalmente rechaçada pela ciência, em virtude do apodrecimento e deterioração do envoltório físico.

As Igrejas cristãs insistem na hipótese do Cristo ter “subido aos Céus” em corpo e alma, e fará o mesmo em relação a todos os “eleitos” no chamado “juízo final”.

Isto é, pessoas que morreram, pelos séculos afora, cujos corpos já foram decompostos e reaproveitados pela terra, ressurgirão, perfeitos, reconstituindo as estruturas orgânicas, do dia do julgamento, onde o Cristo, separá justos e ímpios.

A lógica e o bom-senso espíritas abominam tal teoria, pela impossibilidade física e pela injustiça moral. Afinal, com a lei dos renascimentos, estabelece-se um critério mais justo para aferir a “competência” ou a “qualificação” de todos os Espíritos. Com “tantas oportunidades quanto sejam necessárias”, no “nascer de novo”, é possível a todos progredirem.

Mas, como explicar, então as “aparições” de Jesus, nos quarenta dias póstumos, mencionadas pelos religiosos na alusão à Páscoa?

A fenomenologia espírita (mediúnica) aponta para as manifestações psíquicas descritas como mediunidades.

Em algumas ocasiões, como a conversa com Maria de Magdala, que havia ido até o sepulcro para depositar algumas flores e orar, perguntando a Jesus – como se fosse o jardineiro – após ver a lápide removida, “para onde levaram o corpo do Raboni”, podemos estar diante da “materialização”, isto é, a utilização de fluido ectoplásmico – de seres encarnados – para possibilitar que o Espírito seja visto (por todos).

Igual circunstância se dá, também, no colóquio de Tomé com os demais discípulos, que já haviam “visto” Jesus, de que ele só acreditaria, se “colocasse as mãos nas chagas do Cristo”.

E isto, em verdade, pelos relatos bíblicos, acontece.

Noutras situações, estamos diante de uma outra manifestação psíquica conhecida, a mediunidade de vidência, quando, pelo uso de faculdades mediúnicas, alguém pode ver os Espíritos.

A Páscoa, em verdade

Pela interpretação das religiões e seitas tradicionais, acha-se envolta num preocupante e negativo contexto de culpa. Afinal, acredita-se que Jesus teria padecido em razão dos “nossos” pecados, numa alusão descabida de que todo o sofrimento de Jesus teria sido realizado para “nos salvar”, dos nossos próprios erros, ou dos erros cometidos por nossos ancestrais, em especial, os “bíblicos” Adão e Eva, no Paraíso. A presença do “cordeiro imolado”, que cumpre as profecias do Antigo Testamento, quanto à perseguição e violência contra o “filho de Deus”, está flagrantemente aposta em todas as igrejas, nos crucifixos e nos quadros que relatam – em cores vivas – as fases da via sacra. Esta tradição judaico-cristã da “culpa” é a grande diferença entre a Páscoa tradicional e a Páscoa espírita, se é que esta última existe. Em verdade, nós espíritas devemos reconhecer a data da Páscoa como a grande – e última lição – de Jesus, que vence as iniqüidades, que retorna triunfante, que prossegue sua cátedra pedagógica, para asseverar que “permaneceria eternamente conosco”, na direção bussolar de nossos passos, doravante. Nestes dias de festas materiais e/ou lembranças do sofrimento do Rabi, possamos nós encarar a Páscoa como o momento de transformação, a Vera evocação de liberdade, pois, uma vez despojado do envoltório corporal, pôde Jesus retornar ao Plano Espiritual para, de lá, continuar “coordenando” o processo depurativo de nosso orbe.

Longe da remissão da celebração

De uma festa pastoral ou agrícola, ou da libertação de um povo oprimido, ou da ressurreição de Jesus, possa ela ser encarada por nós, espíritas, como a vitória real da vida sobre a morte, pela certeza da imortalidade e da reencarnação, porque a vida, em essência, só pode ser conceituada como o amor, calcado nos grandes exemplos da própria existência de Jesus, de amor ao próximo e de valorização da própria vida. Nesta Páscoa, assim, quando estiveres junto aos teus mais caros, lembra-te de reverenciar os belos exemplos de Jesus, que o imortalizam e que nos guiam para, um dia, também estarmos na condição experimentada por ele, qual seja a de “sermos deuses”, “fazendo brilhar a nossa luz”. Comemore, então, meu amigo, uma “outra” Páscoa. A sua Páscoa, a da sua transformação, rumo a uma vida plena.

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Natural do Rio de Janeiro (RJ) e radicado há muitos anos em Florianópolis (SC), Marcelo Henrique se tornou espírita em 1981, vindo do catolicismo. É Secretário Executivo da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE) e presidente da Associação dos Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina (ADE-SC), assim como do Centro Cultural Espírita Herculano Pires, em São José (SC). Também é delegado da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA), associado da Associação Brasileira de Amigos e Delegados da CEPA (CEPA-Brasil), do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CP-Doc) e da Associação de Estudos e Pesquisas Espíritas da Paraíba (ASSEPE). Atua, ainda, como representante da ABRADE, no Fórum das Entidades Especializadas de Âmbito Nacional, junto à Federação Espírita Brasileira. É Editor-Chefe da Revista Espírita HARMONIA, um periódico eletrônico e, como escritor e articulista, tem artigos e pesquisas em diversos sites, assim como é autor de "Túnel de Relacionamentos" (Ed. EME) e "Alteridade: a diferença que soma" (Ed. INEDE).

5 thoughts on “Visão Espírita da Páscoa

  1. Texto de profundo estudo!
    “Ninguém receberá as bênçãos da colheita, sem o suor da sementeira.” Esse riquíssimo material laureou meu humilde conhecimento. Obrigada!

    1. A crucificação de Jesus na Bíblia se deu por conta da enorme popularidade conquistada por suas obras.

      Como ele pregava por toda parte, líderes religiosos locais acabaram se revoltando, uma vez que Cristo sugeria uma nova maneira de olhar e amar a Deus.

      Portanto, eles o consideraram herege, blasfemo, criminoso, subversivo e enganador – e essa foi a principal causa por que Jesus foi crucificado.

      Dessa maneira, após a traição de Judas, que o entregou ao exército romano, Jesus foi condenado e crucificado.

      Por que Jesus foi crucificado, segundo o Espiritismo
      De acordo com a Doutrina Espírita, Jesus foi crucificado para nos ensinar a lição da humildade.

      Ou seja, devemos ser fiéis aos nossos princípios e agir conforme o Cristo nos ensinou para conquistarmos a libertação espiritual.

      1. Cabe ressaltar, que os judeus esperavam e ainda esperam um Messias guerreiro, que os libertasse do jugo Romano. E Judas o entrega, pois acreditava que na hora de sua prisão ele iniciaria a tão esperada revolução de libertação dos Judeus… e Jesus não fez isso, por que a sua revolução não era material, mas espiritual. Libertar dos dogmas exteriores, que eram feitos para que os outros vissem. Apresentando a humildade, a caridade, o respeito, o amor, a igualdade como os verdadeiros “dogmas” para conquistar a liberdade e a paz.

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