Espiritismo e Superioridade das Raças: uma perspectiva espírita com base na Lei da Reprodução, por Juvan Neto

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Juvan Neto

Se um homem ou um grupamento reformado construirão um mundo melhor, se estabelece aí um processo dialético, pois um mundo melhor também possibilita a formação de homens mais integrais, mais completos psicológica e socialmente falando, sem “superioridades” advindas de um nacionalismo equivocado ou de intentos genéticos ou científicos desencadeados pelo orgulho e pelo egoísmo.

Analisando de maneira mais pormenorizada aspectos atinentes à chamada Lei de Reprodução, mormente os relativos ao aperfeiçoamento das raças e aos obstáculos à reprodução humana, o notável equilíbrio no entendimento dos Espíritos mais uma vez fica evidente. Em tempos de discursos de ódio, da defesa da intolerância e do infeliz avanço de grupos defensores de uma superioridade racial ou política que, em verdade, não existe, “O Livro dos Espíritos” nos direciona ao entendimento que é possível o aperfeiçoamento do homem, mas não nos padrões de uma superioridade étnica ou intelectual que, por certo, geraria ainda mais castas e seus privilégios, opressões, nacionalismos ufanistas e preconceitos além daqueles com as quais nós já nos confrontamos.

O aperfeiçoamento das raças no orbe, no entendimento dos Espíritos, entretanto, é um horizonte passível de ser alcançado pelos encarnados, através do avanço da Ciência, pois “tudo se deve fazer para chegar à perfeição e o próprio homem é um instrumento de que Deus se serve para atingir seus fins” (questão 692) [1]. Desse trecho podemos depreender que há uma dupla ideia de aperfeiçoamento implícita na resposta da Espiritualidade: os Luminares se referem, concomitantemente, ao avanço moral e ao intelectual, pois “sendo a perfeição a meta para que tende a Natureza, favorecer essa perfeição é corresponder às vistas de Deus” (questão já citada).

Essa compreensão, então, já nos oferta um entendimento diferenciado da ideia de “superioridade” ou “raças perfeitas”: o objetivo pleno da evolução humana (e sabemos que essa evolução se processa através dos sucessivos ciclos reencarnatórios) se dá nos dois aspectos – o do comportamento e o do conhecimento. Civilização ou grupamento humano que avançar apenas intelectualmente tende, como já visto ao longo da História, à tentação da opressão diante das demais; cai fácil na armadilha do totalitarismo e do imperialismo. Talvez não seja possível aferir que o inverso também se dê – pois dada nossa estatura evolutiva, ainda não tivemos uma civilização ostensivamente moralizada a despontar no cenário do orbe terrestre.

Houve, sim, períodos na História, como na Grécia Antiga, como no Renascimento, ou ainda diante do advento do Evangelho de Jesus como código de conduta, em que Espíritos contribuíram com o avanço da moral – e entre eles, claro, Jesus, o Maior entre todos; foi ele que impactou toda a legislação do Ocidente com seus conceitos e exemplos.

Mas a rigor, podemos dizer que não sabemos, portanto, como seria a postura e o impacto de uma civilização ou nação amplamente moralizada no mundo, diante das demais. Há, em qualquer grupamento, uma heterogeneidade de posturas, de condutas, embora o influxo de outra Lei Moral importante – a do Progresso – já tenha influenciado bastante essas condutas e legislações ao longo da História, e novamente citando, o Evangelho como o mais poderoso destes influxos de moralização coletiva.

O fato é que o aperfeiçoamento das raças animais – e Allan Kardec inclui, na mesma questão 692, ainda, os vegetais – ele é possível, mas dentro do equilíbrio necessário à natureza, e não por força de interesses geopolíticos ou geoeconômicos as mais das vezes, escusos. Por isso citamos que há um “equilíbrio” na forma como os Espíritos abordam o assunto, visto que mesmo aquele que opera por puro interesse pessoal ou de casta já, de certa forma, contribui para a construção do conhecimento.

Na questão 692, Kardec quer saber se aperfeiçoar uma raça é contrário às Leis da Natureza; sabemos, então, que não. Já na 692-a, o Mestre de Lyon desdobra a pergunta – como era seu estilo didático de entrevistador e pesquisador – e, nesta, ele quer saber qual o mérito do homem que emprega esforços para a melhoria das raças, mesmo que seja por um sentimento pessoal, e não coletivo. “Que importa seja nulo o seu merecimento, desde que o progresso se realize?” [2], respondem os Espíritos, com grande perspicácia e sinceridade.

O homem que se dedica aos misteres do aperfeiçoamento do próprio homem, então, exercita o desenvolvimento da inteligência, e aí está um mérito; porém, os Espíritos pontuam que o correto seria tornar esse mister “meritório pela intenção” [3]. A nobreza de intenções, diante dessa ótica, é que gera o maior merecimento. Aí está a distância da superioridade real em relação a uma superioridade apenas econômica ou intelectual. A gênese de distorções sociais hediondas como o nazismo – ou mesmo o nazifascismo – reside nesse ponto. As distorções religiosas, como as que resultaram na inquisição, durante a Idade Média, idem. Não raras vezes, lecionaram os Espíritos sobre a importância e a grandeza do desinteresse pessoal, situando o aspecto contrário, ou seja, o interesse comezinho como “sinal mais característico da imperfeição” [4].

Os idealizadores do pensamento nazista, lá nos anos 30 do século passado, ou mesmo antes dele, valeram-se na ideia de uma “raça superior” e na possibilidade de sua geração “em laboratório”, ou a partir de experimentos políticos, bélicos e sociais e que resultaram tragicamente no holocausto. Tudo começa com discursos supremacistas numa cervejaria de Munique, discursos de ódio e orgulho, que começam a arregimentar seguidores – e o resto da História já sabemos.

Então sabemos, pela Doutrina Espírita, que uma superioridade étnica dessa ou daquela raça não é possível – posto que são os “mesmos Espíritos que voltaram, para se aperfeiçoar em novos corpos, mas que ainda estão longe da perfeição” (questão 689) [5]. Ou seja, pelo mecanismo reencarnatório, o “ariano puro”, alto, olhos azuis, poderá vir em nova roupagem física como um humilde esquimó, de porte físico acanhado, ou como um ágil integrante de uma tribo africana – e vice-versa. Aí a Inteligência Suprema, situando cada um nas suas necessidades evolutivas e gerando o já citado influxo da Lei do Progresso, via Lei de Reprodução.

Não será através de experiências de laboratório com o objetivo de atingir uma hipotética “superioridade racial” – e consequentemente política e econômica – que a humanidade ou parcela dela irão evoluir, embora focos isolados de conhecimento possam ser gerados. Como citado, há que se considerar o fator da geração da moral, via mecanismo da reencarnação, em experiências dentro e fora da carne. Nesse sentido, Irmão José assevera que “na necessidade de se reproduzir, o ser opera a elaboração da forma, aprimorando-a, e, ao mesmo tempo, amplia suas possibilidades de renascimento através de sua descendência” [6].

O autor espiritual, através da pena psicográfica de Carlos Antônio Baccelli, também assevera que a evolução acontece de maneira concomitante na experiência física e também na erraticidade: “o que o Espírito conquista no Mundo Espiritual se lhe incorpora ao patrimônio perispiritual – aquisição que haverá de inferir na formação de seu novo corpo sobre a Terra. Antes, pois, de afirmar que o homem herda do homem, diríamos que o Espírito herda do Espírito” [7].

Seguindo esta linha de pensamento, o nobre professor e filósofo José Herculano Pires, em seu “Curso Dinâmico de Espiritismo”, também teceu ensinos importantes sobre conceitos acerca de hereditariedade, superioridade e Lei de Reprodução. Herculano entendia justamente que o problema da Genética no Espiritismo está, nessa perspectiva, ligado ao princípio da reencarnação.

“Os críticos da Doutrina denunciam suposto conflito entre a herança biológica e o controle espiritual na formação do novo corpo. Entendem que o determinismo da hereditariedade cria dificuldades ao desenvolvimento do esquema programado para a nova encarnação”, aponta ele [8], para quem opositores do Espiritismo alegaram que o temperamento e as condições biopsíquicas e biofisiológicas de um eventual nascituro “não estariam sujeitos às exigências reencarnatórias das provas e expiações que o Espírito teria de enfrentar”.

Herculano não concordava com essa visão limitada, pois para ele, seriam objeções oriundas de um antigo conceito dualista do homem, que separavam, até então de maneira absoluta, os elementos corporais dos espirituais. O Espiritismo veio trazer novo entendimento, ao demonstrar que “Espírito e matéria se conjugam, como energia estruturadora e massa estruturável, subordinando-se, portanto, a matéria ao Espírito” [9].

As concepções, portanto, da Espiritualidade esclarecida sobre toda essa concepção do que é ou não superior em termos de raça ou etnia, precisam ser vinculadas ao entendimento dos Padrões Maiores da Vida, ou seja, da transcendência, da nobreza de intenções e sentimentos, do padrão moral a ser alcançado pela autotransformação.

E aí, entendemos, claro, que se um homem ou um grupamento reformado construirão um mundo melhor, se estabelece aí um processo dialético, pois um mundo melhor também possibilita a formação de homens mais integrais, mais completos psicológica e socialmente falando, sem “superioridades” advindas de um nacionalismo equivocado ou de intentos genéticos ou científicos desencadeados pelo orgulho e pelo egoísmo. A formação do homem, potencializada pelas diretrizes transcendentes do Evangelho, é que gerará a superioridade real e conduzirá ao mundo de regeneração, sucessor natural do plano de provas e expiações, aos quais atualmente ainda seguimos vinculados.

Referências:
[1] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. Questão 692. 63ª edição. Pág. 322. Editora FEB, Brasília, DF. 2013.
[2] _____. Questão 692-a. 63ª edição. Pág. 323. Editora FEB, Brasília, DF. 2013.
[3] _____. Questão 692-a. 63ª edição. Pág. 323. Editora FEB, Brasília, DF. 2013.
[4] _____. Questão 895. 63ª edição. Pág. 398. Editora FEB, Brasília, DF. 2013.
[5] _____. Questão 689. 63ª edição. Pág. 322. Editora FEB, Brasília, DF. 2013.
[6] JOSÉ, Irmão; BACCELLI, Carlos. “Segundo O Livro dos Espíritos”. Cap. 15. Pág. 68. Editora DIDIER, Votuporanga, SP. 2009.
[7] Idem.
[8] PIRES, José Herculano. “Curso Dinâmico de Espiritismo”. 5ª edição, cap 4. Pág. 52. Editora PAIDÉIA, São Paulo, SP. 2013.
[9] Idem.

Imagem: Unplash

ACESSE OS TEXTOS DA EDIÇÃO:

Editorial: A Lei de Reprodução perante a sociedade contemporânea

A Lei de Reprodução e o seu lento avanço, por Júlia Schultz

Relações Sexuais à luz do Espiritismo, por Marcelo Henrique

Espiritismo e Engenharia Genética: hora de iniciarmos um debate sério, por Marcelo C. Regis

A Clonagem Humana, por Pedro Gregori

A Bioética e o Paradigma Espírita, por Núbor Orlando Facure

E o Controle da Natalidade?, por Carlos A. Parchen

Espiritismo e Superioridade das Raças: uma perspectiva espírita com base na Lei da Reprodução, por Juvan Neto

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One thought on “Espiritismo e Superioridade das Raças: uma perspectiva espírita com base na Lei da Reprodução, por Juvan Neto

  1. Poderia esclarecer melhor, com base em Kardec, esse trecho citado no texto, referente a uma suposta psicografia:
    “o que o Espírito conquista no Mundo Espiritual se lhe incorpora ao patrimônio perispiritual”?

    O que seria “patrimônio perispiritual”? Os conhecimentos e virtudes (bem como os vícios) não são patrimônio do espírito?

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