Colônias?, por Henri Netto

Tempo de leitura: 5 minutos

Henri Netto
***
Convocamos os verdadeiros espíritas para o resgate do caráter universal da Doutrina dos Espíritos – que foi pobremente rebaixado a uma mera crença cristã, com todas as limitações e defeitos de uma religião humana. O resgate da matriz de pensamento kardeciano, calcado no estudo sério e sistemático de suas obras – com a necessária conciliação e aproximação de conceitos complementares expressos em vários textos e títulos – e na prática, na forma da conduta ética, dentro e fora das instituições, dos ensinamentos do verdadeiro e legítimo Espiritismo.
***

Tenho visto no meio espírita uma ginástica de argumentos falaciosos para tentar “forçar” e “provar” a existência de cidades no mundo espiritual. Os que tentam fazer isso tem como objetivo salvar as obras mediúnicas – em especial a do Espírito André Luiz. Segundo Kardec, na introdução de “O evangelho segundo o Espiritismo”, os princípios da doutrina são construídos usando, além do controle universal do ensino dos Espíritos (C.U.E.E), a lógica e razão, sendo que estes últimos são os mais importantes para Kardec.

Na “Revue Spirite”, de fevereiro 1868 no artigo “Os messias do Espiritismo” e, logo após, no artigo de março “Comentários sobre os messias do Espiritismo”, Kardec publica uma série de comunicações sobre esse assunto e comenta:

“A opinião da maioria dos Espíritos é um poderoso controle para o valor dos princípios da Doutrina, mas não exclui o do julgamento e da razão cujo uso incessante todos os Espíritos sérios recomendam. Quando o ensino se generaliza espontaneamente sobre uma questão, num determinado sentido, é um indício certo de que tal questão chegou ao seu tempo. Mas a oportunidade, no caso de que se trata, não é uma questão de princípio, e julgamos que não deveríamos esperar o conselho da maioria para esta publicação, porquanto sua utilidade nos estava demonstrada. Seria puerilidade crer que, fazendo abnegação de nossa iniciativa, não obedeceríamos, como instrumento passivo, senão a um pensamento que se nos impunha”.

Dito isto, vamos elencar em três pontos, aquilo que podemos destacar, a partir da lógica racional espírita, como aspectos de análise em relação ao tema proposto:

Primeiro.

Alguns pesquisadores apresentam textos onde mostram que as “colônias” foram ditas em outras fontes antes de Kardec e pós a construção da doutrina, tentando usar, transversalmente, o método do C.U.E.E., mas o fazem de maneira distorcida sem o uso da racionalidade. Desprezam, assim, o próprio artigo contido na “Revue” (“Comunicação de Swedemborg”, Novembro, 1859), na qual o Espírito (que tinha, antes, uma doutrina onde descrevia uma Jerusalém astral) nega o que ele disse e afirma que estava fascinado. Também temos o artigo “Mobiliário de além-túmulo”, da “Revue” de agosto de 1859, em que são feitos questionamentos ao Espírito São Luiz, arrematados com este comentário de Kardec:
“A teoria acima pode resumir-se assim: O Espírito age sobre a matéria; tira da matéria primitiva universal os elementos necessários para, à vontade, formar objetos com a aparência dos diversos corpos existentes na Terra. Também pode operar sobre a matéria elementar, por sua vontade, uma transformação íntima que lhe dá determinadas propriedades. Essa faculdade é inerente à natureza do Espírito, que muitas vezes a exerce, quando necessário, como um ato instintivo, que não chega a perceber. Os objetos formados pelos Espíritos têm uma existência temporária, subordinada à sua vontade ou à necessidade. Ele pode fazê-los e desfazê-los à vontade. Em certos casos, aos olhos das pessoas vivas, esses objetos podem ter todas as aparências da realidade, isto é, tornar-se momentaneamente visíveis e até tangíveis. Há formação, mas não criação, visto que o Espírito nada pode tirar do nada.”

De posse dessa afirmação perguntamos: como uma cidade (Nosso Lar) permaneceria por mais de 600 anos no mundo espiritual? Outra questão: quantos Espíritos Superiores são necessários para ficar pensando e criando permanentemente esta ilusão (para os inferiores) e qual a utilidade dessa cidade? Mais outra questão: segundo a questão 254 (“O livro dos Espíritos”), o Espírito não tem órgão e não precisa se alimentar, descansar e nem fazer necessidades fisiológicas. Então para que uma casa, uma cozinha e uma cidade no mundo espiritual? Qual a utilidade de se manter uma ilusão dessas?

Segundo.

Outros articulistas ou expositores argumentam que, quando Kardec falou, em “O livro dos Espíritos” (itens 87, 1012, 1013, 1014 e 1015) que não existiriam lugares circunscritos na erraticidade, ele estava se dirigindo, principalmente, à crença dos encarnados à época (sobre a eventual existência de Céu e Inferno). Então, nós nos perguntamos: a “cidade Nosso Lar” (com muros e canhões usados para impedir a entrada de Espíritos do Umbral!!!) não seria algo circunscrito? E, por sua vez, também ele, o “Umbral”, também descrito como uma região abaixo da crosta terrestre, não se assemelharia ao inferno descrito por Dante? Como conciliar, então, esses relatos de um único Espírito com os de milhares de outros colhidos por Kardec e analisados com o crivo da razão? Alguns vão dizer que existem outras fontes no meio Espírita. Porém, os que assim mencionam, esquecem que foram, todos, influenciados pela obra “Nosso Lar”, de autoria espiritual do já citado Espírito, sob a psicografia de Chico Xavier.

Terceiro.

No livro “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo” (1868) – Cap XIV, “Os fluidos” – e no artigo da “Revue”, de junho de 1868 (“Fotografia do pensamento”), encontramos:
“Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos de que tinha o hábito de se servir: um avarento manipulará o ouro; um militar terá as suas armas e o seu uniforme; um fumante, o seu cachimbo; um lavrador, a sua charrua e os bois; uma velha, a sua roca. Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito, que é, ele próprio, fluídico, quanto eram materiais para o homem vivo; mas, pelo simples fato de eles serem criados pelo pensamento, sua existência é tão fugaz quanto o pensamento”.

De posse de todas essas afirmações de Kardec não podemos deixar de lado esses princípios e adotar opiniões pessoais de Espíritos por um único médium e ser refém de uma fé cega e da idolatria em nome da bondade do médium.

Gosto, é claro, não se discute. Porém, doutrina espírita se discute sim! Como espiritas, devemos sempre criticar e analisar TUDO que vem dos Espíritos – que NÃO são “santos” e muitos deles sabem muito menos do que muitos encarnados. Como eles possuem variadas imperfeições, podemos enquadrá-los do conceito doutrinário espírita de pseudossábios e, vale dizer, muitos foram e ainda são jesuítas, com a necessidade de passar uma matriz de pensamento católico, para “evangelizar” aqueles que não conhecem “Nosso Senhor Jesus Cristo” (palavras deles).

Ora, nós, espíritas, não somos católicos, tampouco nos assemelhamos aos índios da época da colonização portuguesa aqui em nosso país. Somos espíritas! E, se temos Kardec como fundamento e referência do conhecimento espírita, temos, além de estudar com profundidade as suas obras, zelar por e defender os princípios espíritas que, comumente, são tão distorcidos no chamado meio espírita.

Sigamos, assim, em frente, firmes e resolutos. Deixemos a emoção de lado, usemos a razão e, acima de tudo, procuremos nos fortalecer doutrinariamente para que não sejamos vítimas destas fascinações coletivas tão comuns, que grassam no meio espírita brasileiro. O cenário comporta um sem-número de palestrantes que são fãs de médiuns “famosos” e adoradores de desencarnados que ditaram páginas e livros, os chamados “Espíritos-estrelas”. Uns e outros, isto é, encarnados e desencarnados, idolatrados por uma massa sem conhecimento, os que criaram e mantém uma verdadeira igreja espírita evangélica.

A única saída possível para essa ideia circunscrita de um Espiritismo exclusivista e ufanista – calcada no epíteto “Brasil, coração do mundo e pátria do evangelho” (título e mote, aliás, de outra obra mediúnica bastante discutível), onde o caráter universal da Doutrina dos Espíritos é pobremente rebaixado a uma mera crença cristã – com todas as limitações e defeitos de uma religião humana. Eis, aí, o verdadeiro resgate da matriz de pensamento kardeciano, calcado no estudo sério e sistemático de suas obras – com a necessária conciliação e aproximação de conceitos complementares expressos em vários textos e títulos – e praticando, na conduta ética, dentro e fora das instituições, os ensinamentos do verdadeiro e legítimo Espiritismo.

É para isso que convocamos os verdadeiros espíritas, como você!

Imagem de 0fjd125gk87 por Pixabay

Administrador site ECK

Written by 

Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

20 thoughts on “Colônias?, por Henri Netto

  1. Minha admiração e meus parabéns
    pela iniciativa ,tema muito bem abordado ,e vamos a luta para manter o verdadeiro espiritismo ,sem fantasias e fanatismo,muitos erros se impregnaram no MEB,com o intuito de monetizar vendendo mentiras, afinal quem não quer imaginar uma história linda para seus entes queridos ,eu prefiro a verdade , e chegou a hora de arregaçar as mangas e trabalhar ,afinal é nosso dever zelar pela verdade e origem e seriedade da nossa querida doutrina espírita revelada pelos espíritos por intermédio de ALLAN KARDEC!

  2. Parabéns pelo texto,bem explicado e entendido,estudar as obras fundamentais é de extrema importância, pois é através dela que conhecemos o que é verdade e o que não é, Através também de uma Boa analisada!
    Como espirita digo e reafirmo também, não existe colônias celestiais e não ao misticismo!

  3. Excelente matéria, precisamos de mais conteúdos desse tipo, está na hora de despertarmos! Muito obrigado pelo esclarecimento!!!

  4. Muito interessante , mas ainda estou em cima do muro sobre essa questão das colônias espirituais , inclusive o centro espírita que frequento se chama André Luiz.

  5. Boa noite! Que maravilha os conteúdos aqui contido! A cada estudo amplia mais ainda o entendimento sobre a codificação de Kardec! Gratidão profunda por ter pessoas com tanta responsabilidade nesse seguimento!

  6. Não obstante as colocações acima descritas com louvor a bem da verdade sabemos que a Doutrina dos Espíritos, tem como base a própria condição dos mesmos , a análise descrita nos esclarece a realidade bem vista , que a cada etapa dessa experiência bendita, vamos nos aproximando do que seria a nossa essência divina.

  7. Muito bom vamos a luta ,chega de mentiras e fanatismo 👏👏👏👏
    Excelente trabalho que venho acompanhando seu pelo grupo , parabéns amigo Henry Netto

  8. Gostei muito da publicação e do conteúdo nele citado.
    É como sempre digo aos meus filhos que a humanidade cada vez mais se ligam á bens materiais e com isso levam consigo apóis sua passagem, muitos inconformados por deixar riquezas e criam para si ja no outro plano iluções do que tinham antes do desencarne e acabam por confundir a muitos .
    Saber indentificar tais ilusionismo é dificio para que nao conhece o verdadeiro conceito Espirita .

    É so uma opinião … ainda sou muito imatura na codificaçao de cardek… mais venho aprendendo a cada dia .
    Paz e.luz ..

  9. O Henrri abordou um exelente coneito , uma vez que ao passar-mos desse plano para o plano espiritual , deixamos tudo o que for material, incluindo a Materia da qual foi ultilizada no mundo terrestre.
    É isso ai Henri , lute sempre pela verdade.. eatou com vc …

  10. Eu só tenho a agradecer, pois ainda iniciante nos estudos fico feliz em saber que estou encontrando conteúdos de cunho científico.

    1. Que maravilha de texto!!! Tenho lido e escutado tanta abobrinha,que esta explanação com base em Kardec me enche de esperança de que dá pra reverter e divulgar a. Doutrina,como nos legou o Codificador. Gratidão!

Deixe uma resposta para Mingo Cirillo Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.