A paz, ainda que tardia: 44 anos sem Lennon!, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 5 minutos

A paz, ainda que tardia: 44 anos sem Lennon!

Marcelo Henrique

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“Dê uma chance à paz!”,

John Winston Lennon (1940-1980).

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Era 8 de dezembro de 1980 e eu, um adolescente curioso, esperava, como todos os outros dias, o “Jornal Nacional”, da TV Globo, como sempre fazia, após o jantar. E, logo na abertura, uma catastrófica notícia: a morte de Jonh Lennon, assassinado em Nova Iorque.

Pelo que me lembro, chorei copiosamente e não acreditava no que estava sendo transmitido. Logicamente, minha educação musical, na Igreja Santo Antônio (era, eu, católico, nesta época) e a prática do canto coral me haviam feito conhecer Lennon, McCartney e os “The Beatles”. Devo a eles, pois, toda a minha formação musical e as atividades musicais que desempenhei em todas essas décadas.

Mas Lennon era muito mais que um poeta, um compositor e/ou um intérprete. Era um pacifista. Foram inúmeras as manifestações de John em favor da paz. Da paz íntima, da interpessoal, entre povos e nações, no planeta, tudo está em suas letras.

Você por certo irá lembrar de “Imagine”, considerado o Hino Mundial pela Paz.

Mas havia muito mais, antes…

A paz perseguida de Lennon

O desejo mais forte de Lennon, o de materializar a paz, em um ativismo não-violento, data de uma poesia específica, de sua autoria, musicada por ele e McCartney: “All is need is love” (Tudo o que precisamos é de amor). É essa canção-ícone dos Fab4 que se manifesta como expressão de contracultura e antiguerra, e o ativismo se tornou a sua marca, principalmente após o fim do Quarteto Fantástico.

John, desde a formação inicial dos Beatles, se assumia como o mais intelectualizado do grupo, sempre disposto a dissertar sobre comportamento humano e ação político-social. Um verdadeiro porta-voz da geração 60s e, portanto, característico da imagem daquela geração que se consolidou para a posteridade.

No pós-“The dream is over”, sua frase célebre que marca o fim da banda, Lennon foi residir em Nova Iorque e, no governo Nixon, se posicionou abertamente pelo fim da Guerra no Vietnã. No seu “Give peace a chance” (cujo refrão está na abertura desse ensaio), um vero mantra pacifista, ele reproduz o que “todos estão dizendo” (“All we are saying”)… Só não foi deportando pela estatura artística que possuía e pelo que representaria o hipotético ato para a comunidade internacional.

“Power to the people” (O poder para o povo), “Happy Xmas (War Is over)” (Feliz Natal, a guerra acabou) e “Imagine”, claro, sem falar em muitas outras, seja entre os rapazes de Liverpool, seja em sua carreira-solo.

A letra utópica de “Imagine”

O visionário de Liverpool ousou pensar em um mundo sem raças, sem países, sem posses, sem religiões, distante do “matar ou morrer”, sem fome ou ganância, com as pessoas cotidianamente vivendo em paz. Sua verve se direciona numa crítica direta ao capitalismo (exploratório e predatório), mas, também, sem menos ênfase, aos extremismos religiosos que dividiam os “fiéis” e alijavam os “não-fiéis”, assim como a xenofobia.

Essa nova ordem mundial – também repisada por Caetano Veloso (em “Fora da Ordem”) – nos direciona a um mundo sem fronteiras político-econômico-sociais, integrando nações e povos, experimentado, ainda que de forma rudimentar, pela Comunidade Europeia e pelo Mercosul – e, mais presentemente, pela união dos BRICs.

Um sonho, utópico, capaz de reunir tantos quantos sonhadores existam e propugnando por ações locais, pequenas – até imperceptíveis – para a gestação de um ambiente menos bélico, mais fraterno e compreensivo e, acima de tudo, com empatia inter-humana.

Destacadamente, a proposta também se posiciona no polo oposto do paraíso das religiões, o porvir celeste, uma vez que endereça os humanos ao planejamento de ações visando resultados (recompensas, socialmente falando) não num lugar metafísico descrito como o “paraíso”, mas no plano existencial-material terreno.

“Imagine” como o próprio beatle definiu, seria um “hino humanista para o povo”, já que baseado fundamentalmente na oposição a todas as convenções tradicionalmente postas desde os séculos anteriores: antirreligiosa, antinacionalista, anticonvencional e, como seu corolário, anticapitalista. E não se trata de nenhum repúdio ao CAPITAL, mas, sim, a transferência da importância (desmedida) conferida a este, em detrimento das pessoas, dos povos e da natureza.

Vale destacar que a revista “Rolling Stone” ícone do Rock mundial e referência para o gênero e para a música planetária, a elencou como a terceira maior música de todos os temos, sendo uma das 500 canções que moldaram o rock mundial.

A Paz não como mera chance hipotética: a guerra acabou? Vai acabar?

Recentemente, como evidência do sonho possível presente em “Imagine”, ainda que na forma de prospecção ideológica, em 4 de março de 2022, às 8h45 em ponto (hora mundial), 150 estações de rádio de 25 países da Europa reproduziram “Give peace a Chance”, do compositor britânico, uma canção poderosa de unidade e paz”, como forma de protesto em relação à guerra Rússia-Ucrânia.

Na icônica campanha deflagrada pela canção “Happy Xmas”, Lennon idealizou e realizou uma campanha publicitária, que foi de páginas de caderno manuscritas a outdoors nas principais cidades do mundo, com a frase “War is Over”. Acabou, se você quiser…

O “feliz aniversário, Jesus”, que o Natal simboliza foi transmudado em uma mensagem que o carpinteiro Yeshua assinaria: “amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam e vos caluniam”, mas, como consta na canção: “É natal, e o que você fez?”…

À guisa de conclusão: a paz possível

Nossa lembrança sobre o poeta Lennon nos endereça à construção da paz possível entre nós que estagiamos neste planeta na senda do Progresso. A poética contida na letra e os acordes que emocionam – mesmo em reprodução meramente instrumental, permitindo-nos compor outras letras, em pensamento, em relação ao conjunto harmônico – nos faz protagonistas em relação aos nossos cotidianos.

Sim, obviamente, nos enternecemos diante de conflitos sem fim, fortemente armados, no Oriente Médio e na Europa Oriental, hodiernamente, assim como tememos por uma Terceira Guerra – tão decantada desde a época da “Guerra Fria”.

Os conflitos étnico-religiosos-sociais ainda devastam o mundo. Mas, além deles, é preciso pensar em conflitos menores, nas ambiências várias do nosso existir, no dia a dia, em relações que travamos uns em relação aos outros. É imperioso nos desarmarmos intelectual, ideológica, afetiva e espiritualmente.

Quiçá o futuro nos permita viver um ambiente de igualdade e, além dela, com mais eficácia e eficiência, com equidade, permitindo que os “menos” sejam erigidos à real posição equitativa em relação aos “mais”.

A música reflete o estado d’alma e, como qualquer um dos ramos da arte, é um elemento influenciador da sociedade, quando, na expressão artística de compositores e intérpretes, realiza a crítica social.

E os ideais pacifistas e de igualdade (isonomia, equidade) social permanecem e ecoam em nós, sobretudo quando nos deparamos em “contendas inúteis” destinadas à primazia de ideologias, formas de ver, interpretações ou crenças.

Lennon, aliás, em “Gimme Some Truth” (Me dê alguma verdade) já havia relembrado a tônica da História da Humanidade, em que, seja qual for a época, o lugar, a geração, temos “políticos neuróticos, psicóticos e teimosos”.

Qualquer semelhança com o Brasil desta terceira década do Século XXI, ou com o mundo desde os albores dos anos 2000, não é coincidência, é realidade. E continuamos nós, nos mais diversificados setores de nossa vida, clamando: queremos “a paz, ainda que tardia”…

Nesta data, queremos lembrar, como num mosaico, das frases que ele verteu em poesias-canções e que permanecem vivas em nós, não apenas quando as cantarolamos, mas quando as vivenciamos:

“Dê uma chance à paz. Poder para o povo. O herói da classe operária está para nascer. O sonho acabou. A guerra acabou, se você quiser. Mãe, eu não quero ser um soldado. Dê-me alguma verdade. A mulher é o negro do mundo”.

Forte, não? Mas quem veio ao mundo para ser fraco?

Nota:

A imagem que estampa este artigo é da Administração Postal das Nações Unidas (UNPA), celebrando os 50 anos da música “Imagine”, de John Lennon, em 22 de setembro de 2021.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

7 thoughts on “A paz, ainda que tardia: 44 anos sem Lennon!, por Marcelo Henrique

  1. Texto fabuloso . Ecoam na nossa memória esses versos canções que todos trauteamos uma e outra vez. Give piece a chance, Imagine, War is over, são ícones tão grandiosos como a Nona de Beethoven, de génios que passaram por este nosso planeta habitado ainda por gentes tão primitivas, que não os merece.Gostei desses atributos de políticos “neuróticos, psicóticos e teimosos ” estou absolutamente de acordo.

  2. Texto muito bom, marcante, que mexe com nossas memórias e afetos, ao mesmo tempo nos dá uma “cutucada” sutil, para que acordemos, em meio ao aparente caos social, que se transforma, em nosso íntimo, a busca, a luta cotidiana por algo mais justo e solidário, não pode ser solitário.

  3. Falar e promover a paz é sempre necessário. Isso não quer dizer que não haja luta. Uma luta de cada um e de todos, por um mundo mais justo.

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