A IA adiou a morte? Limites da ciência na perspectiva espírita, por Wilson Custódio Filho

Tempo de leitura: 5 minutos

Wilson Custódio Filho

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A presença de Allan Kardec, com sua lógica, razão e coerência na análise dos fatos, faz-nos refletir: o que ele não faria com uma ferramenta tão poderosa quanto a IA?

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Certa vez, uma antiga professora de Ciências Físicas Biológicas e amiga me disse: “No campo das ciências, quando uma novidade chega ao público leigo, isso significa que o tema já avançou muito além do que imaginamos.” E de fato, ironicamente, não há nada de novo na IA – Inteligência Artificial, a não ser a materialização utópica da mente humana. E que fascinante é ver a mente humana projetar suas utopias em códigos e circuitos, não achas?

Mas até que ponto essa materialização pode ser considerada, de fato, inteligência?

Como observa Kardec na nota que acompanha a questão 71, de “O livro dos Espíritos”, a inteligência é uma faculdade própria de certos seres orgânicos, concedendo-lhes pensamento, vontade de agir e consciência de sua existência e individualidade. Além disso, permite-lhes estabelecer relações com o mundo exterior e prover suas necessidades [1].

Segundo Miguel Nicolelis, neurocientista e escritor brasileiro, além de Professor Emérito de Neurobiologia, “a inteligência é uma propriedade emergente de organismos interagindo com o ambiente e com outros organismos” [2], como costuma afirmar em suas exposições. Contudo, hardware e software são apenas componentes tecnológicos e ainda não possuem essa propriedade.

Aprendemos nos bancos escolares que o cérebro é a maior parte do encéfalo, representando cerca de 85% do seu peso total, e está encerrado no interior da caixa craniana. Ele é considerado a sede da inteligência humana. Mas será que uma rede neural sintética pode sequer se aproximar da complexidade construída ao longo de milhões de anos de evolução?

Entendemos que por mais que as redes neurais artificiais sejam inspiradas no complexo funcionamento do cérebro humano, estamos apenas diante de sistemas estatísticos avançados, incapazes de criar significados próprios ou interpretar o mundo como um ser consciente – ainda! A inteligência humana extrapola a capacidade de processar dados; pois envolve intenção, subjetividade e contexto, aspectos que uma máquina não pode experimentar.

Diante disso, talvez a maior questão não seja o assombro dos inocentes – Meu Deus, as máquinas dominaram o mundo! – nem a euforia dos “Espíritas Exaltados” no Espiritismo [3], tampouco o que a IA jamais poderá fazer, pois o avanço científico é contínuo, mas sim o que ela já está fazendo em nosso meio.

E esse campo é vasto, não sendo nossa intenção desbravá-lo aqui, mesmo porque não somos técnicos, especialistas, cientistas, mas meros espectadores, coadjuvantes de um plano social em transe – não caótico. Se assim o desejássemos, sem dúvida, correríamos o risco de incorrer em interpretações equivocadas.

Mas o que nos levou a escrever este texto encontra-se em um artigo de revista eletrônica, intitulado: “Os médicos deixaram um homem doente por morto, mas a IA salvou sua vida” [4].

Entre as aplicações mais impressionantes da IA na atualidade, destaca-se seu uso na medicina. Um caso emblemático foi narrado nesse artigo, que aborda o impacto da inteligência artificial na medicina, destacando seu papel no reaproveitamento de medicamentos para tratar doenças raras. 

Entre os exemplos relatados, o caso de Joseph Coates ilustra esse avanço: diagnosticado com a síndrome de POEMS e sem perspectivas de cura segundo seus médicos, ele foi salvo graças a um tratamento inovador sugerido por IA. Para quem deseja se aprofundar no assunto, mais detalhes estão disponíveis ser na referência [4], onde deixaremos o link de acesso. 

Mesmo porque, como dito anteriormente, nossa limitação cognitiva não nos permite ir além. Nosso foco, no entanto, é o Espiritismo e a necessidade que vemos de que seus adeptos acompanhem o progresso científico, em sintonia com os sinais dos tempos, assim como tantas outras questões análogas. Como afirma Allan Kardec, “se nosso tempo é marcado para a realização de certas coisas, é porque elas têm sua razão de ser na marcha do conjunto” [5].

Recentemente, alguns meios de comunicação espírita e palestrantes chavões têm afirmado que a IA está interferindo no processo reencarnatório dos espíritos. No caso específico de pacientes em estado terminal, alegam que tais indivíduos devem, necessariamente, passar pelas provas e expiações programadas por eles mesmos. Como se o sofrimento fosse um requisito absoluto e inadiável.

No Espiritismo, a morte não representa o fim, mas uma transição para a verdadeira vida do Espírito. Mesmo porque, no grande plano da solidariedade universal, o mais forte deve trabalhar e amparar os mais frágeis e necessitados. A IA, ao oferecer soluções médicas inovadoras, pode até adiar o desencarne físico, mas não altera os desígnios divinos nem a imortalidade da alma. Não há, portanto, motivo para espanto ou inquietação.

A presença de Allan Kardec, com sua lógica, razão e coerência na análise dos fatos, faz-nos refletir: o que ele não faria com uma ferramenta tão poderosa quanto a IA? Acompanhar os avanços da ciência não significa perder-se em especulações sem fundamento, mas reafirmar o compromisso com o conhecimento e a verdade. Como espíritas, cabe-nos olhar para o futuro com discernimento, unindo fé e razão, ciência e espiritualidade.

Sei que somos chatos! Mas, afinal, que tipo de chatos somos? Passando em revista as 32 obras de Allan Kardec, percebo a importância da Revista Espírita – Grande Laboratório do Espiritismo, onde se destacam sua organização, estrutura, temas, métodos, sistemas, diálogos e o respeito às controvérsias [6]. Ressalta-se, ainda, a forma como Kardec refutava seus adversários, sempre pautado na lógica e na cordialidade.

Por sorte, — que, a nosso ver, não existe — a inteligência artificial progride, assimila, calcula. Responde veloz, aprende padrões, interpreta línguas e até imita emoções. Mas não sente, não intui, não se eleva.

Allan Kardec, ao codificar os sinais do invisível, nos recordou que é o Espírito o princípio inteligente do universo — liberto, infindo, perfectível. Enquanto máquinas cumprem a lógica imposta do homem, o Espírito segue os desígnios de Deus. A evolução verdadeira não se mede em bytes, nem logaritmos, mas em virtudes. Que a IA nos sirva, sim, mas que jamais sufoque o sopro divino que habita em nós.

Como bem sintetiza Allan Kardec, “a inteligência é um atributo essencial do Espírito, mas não o constitui todo o ser espiritual” [1]. Diante de um futuro cada vez mais tecnológico, aos espíritas cabe o compromisso de estudar Kardec, entender Kardec e praticar Kardec — eis nosso convite.

Fontes:

[1] Kardec, A. (2004). “O livro dos Espíritos”. Trad. José Herculano Pires. 64. ed. São Paulo: LAKE.

[2] Nicolelis, M. A inteligência artificial é uma mentira. “CNN Brasil”, 12 julho. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/rita-wu/tecnologia/a-inteligencia-artificial-e-uma-mentira/. Acesso em: 04 abr. 2025.

[3] Kardec, A. (1998). “O livro dos Médiuns”. Trad. J. Herculano Pires. 20. Ed. São Paulo: LAKE.

[4] Smith, C. Doctors left a sick man for dead, but then AI saved his life. “BGR”, 21 mar. 2025. Disponível em: https://bgr.com/science/doctors-left-a-sick-man-for-dead-but-then-ai-saved-his-life. Acesso em: 04 abr. 2025.

[5] Kardec, A. (2018). “A Gênese”. Trad. Carlos de Brito Imbassahy. São Paulo: FEAL.

[6] As 32 publicações de Allan Kardec – Arquivo digital. “ECK – Espiritismo COM Kardec”. Disponível em: https://www.comkardec.net.br/as-32-publicacoes-de-allan-kardec-arquivo/. Acesso em: 04 abr. 2025.

Imagem de Aristal Branson por Pixabay


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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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