Por favor, nos deixem falar!, por Maria Cristina Rivé

Tempo de leitura: 4 minutos

Maria Cristina Rivé

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Juntas, nós, mulheres – ah, sempre elas! – seguiremos escrevendo nossa história pessoal e social, também nacional, deixando gravada a nossa voz, impressas nossas digitais, presentes nossas sensibilidades.

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Só podia ser mulher, diz o motorista no trânsito de nossas cidades. Ao que outros acrescentam: mulher no volante, perigo constante. Eis, aí, um aforismo repleto de história e de histórias, mas desmentido pela matemática, pela estatística, pelas ciências exatas. Só para ilustrar, as companhias de seguro apresentam um dos indicativos de que a máxima machista acima está errada: como vivemos em um mundo em que o dinheiro pulsa, pois é a mola mestra da sociedade, o seguro automotivo para nós, mulheres, é “mais barato” (menor custo), porque estatisticamente as mulheres provocam menos acidentes e causam menos danos, quando ao volante.

Simone de Beauvoir:  expoente (Wikipédia)

A Filosofia nos legou, entre tantos pensamentos, o Existencialismo, a existência precede a essência. “Hein?” – como diria certo amigo. Explicando: significa que não nascemos com uma predeterminação, ou seja, a nossa identidade é construída ao longo da vida. Temos, portanto, a liberdade e a consequente responsabilidade por cada uma das escolhas. Simone de Beauvoir é uma destacada expoente dessa corrente. Feminista, ela cunhou a frase bastante conhecida de que não nascemos mulher, nos tornamos.

Isto significa que cada fêmea, ao nascer, vai trilhar um caminho repleto de dificuldades, pois vivemos em uma sociedade patriarcal, onde o masculino tem o poder, o direito e as facilidades de um comando que não é conquistado, mas herdado. A mulher, sob tal ótica, nasceu para ser comandada: é, originalmente, propriedade paterna e, ao casar, vem toda a simbologia: o pai entrega sua filha ao seu novo “dono”.

Dandara dos Palmares – Imagem: Reprodução

Contudo, entre os “silêncios da história” a força da mulher emerge e se revolve nessa sociedade androcêntrica (pois o homem figura como o centro). Neste prisma, ser homem remete, naturalmente, à centralidade, já que a expressão genericamente enquadra todos os seres humanos (valendo, assim, tal generalização, para o feminino também). Por consequência, tudo está relacionado à experiência masculina: esses podem, o feminino, não! O pensamento do homem, então, está acima do das mulheres. A elas cabe o acatar, colocar-se em seu lugar, ou como triste e recentemente uma expoente mulher se autodefiniu como “bela, recatada e do lar”.

Mas, o fato é que, enquanto mulheres, nunca quisemos isso e através dos tempos sempre voltamos à cena: atacaram nossa moralidade, nos chamando de prostitutas (mas eram eles, os homens, que nos estupravam). Roma, mesmo, nasceu de um estupro, contam-nos. Nossas filhas, as célebres “filhas de Eva” foram condenadas às fogueiras e aos silêncios em um Universo masculino.

Marie Curie: amor à ciência (Wikipédia)

Depreciaram, portanto, o nosso trabalho e as nossas conquistas Marie Curie não pode receber seu Nobel (o marido é que recebeu por ela), mas foi a pesquisadora quem morreu por seu amor à ciência. Dandara? Nunca ouvi falar! Pois, deveria… Livre, no século XV, lutou contra os holandeses pela libertação de negras e de negros escravizados.

Nelly Bly (pseudônimo de Elizabeth Cochran Seaman), jornalista, em 1887, comprovou os abusos e os maus tratos que haviam em uma casa de repouso, quando fingindo insanidade, internou-se no nosocômio. Suas reportagens (no “New York World”) levaram a uma maior conscientização sobre a natureza do tratamento de saúde mental e conduziram a melhorias nas condições institucionais, inaugurando a era de jornalismo investigativo.

E nós? Quantas, atrás dos morros de cidades pequenas e distantes, lavaram, cozeram, coseram e oportunizaram à sua descendência um passo à frente? Mesmo com toda a opressão e imposição de subserviência.

Nelly Bly: jornalista atuante (Wikipédia)

Eis que, aos vinte e cinco anos do século XXI, nos deparamos mais uma vez com a intolerância, com o machismo e com o sexismo exacerbado. Novamente, os “boys” querem tomar nossa existência, nossos valores e nossa lutas. Devemos ser gentis, não mais ao estupro físico, mas ao psicológico e psíquico para continuarmos sendo subservientes àqueles que se julgam nossos donos? Não!

“Já nos calaram por dois mil anos” disse ela! E quem é ela? Uma diva no seu aspecto mais profundo. Bela, inteligente, culta e com respeito às Instituições, tal como a que faz parte, Ela! Mais uma vez, as mulheres legam a sua marca. A de ser a “reprodutora” de ideias, ideais, de força e da coragem feminina. O seu voto nos libertou, tirou de nós o amargor das pessoas mortas na pandemia, no deboche relacionado às minorias, no desprezo ao feminino e ao diferente (de si).

A ti, Carmen Lúcia, o nosso reconhecimento e a nossa admiração. Juntas, nós, mulheres – ah, sempre elas! – seguiremos escrevendo nossa história pessoal e social, também nacional, deixando gravada a nossa voz, impressas nossas digitais, presentes nossas sensibilidades.

 

Foto de capa: © Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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