Humor e falta de amor: o caso Léo Lins, por Marcelo Teixeira 

Tempo de leitura: 5 minutos

Marcelo Teixeira 

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Se quisermos que nossos direitos sejam respeitados, respeitemos o direito alheio. Se quisermos ser tratados com justiça e educação, façamos o mesmo com as pessoas à nossa volta. Se não quisermos ser vítimas de preconceito social, racial, religioso, sexual, etc., respeitemos o próximo e suas diferenças. E se quisermos que o riso corra saudável para divertir as pessoas e fazê-las acordar para movimentos que precisam acontecer para mudar a sociedade para melhor.

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Gosto de comentar sobre acontecimentos políticos e sociais à luz dos pressupostos espíritas. Para mim, a Doutrina Espírita é um organismo vivo e dinâmico que vive em constante atualização. Por isso, requer de nós constante sintonia com o que vai pelo Brasil e pelo mundo. Assim, podemos contribuir, mesmo que timidamente, para que os leitores – sejam ou não espíritas – percebam que o Espiritismo kardecista pode oferecer bem mais do que se supõe. 

Foi com este pensamento que mergulhei no caso do humorista brasileiro Léo Lins. Em junho de 2025, ele foi condenado pela justiça a uma pena de pouco mais de oito anos de prisão e pagamento de vultosa multa por proferir piadas ofensivas a vários grupos sociais, num show realizado em 2022 (que foi filmado e acabou viralizando na internet). A sentença se deu com base nos crimes de racismo e discriminação generalizada, já que, como bem observou o jornalista Ricardo Mello, nas redes sociais, Léo Lins praticamente gabaritou o Código Penal. Ofendeu negros, pessoas com deficiência variadas (nanismo, surdez, etc.), soropositivos, mulheres, vítimas de pedofilia, imigrantes, crianças, pobres, idosos, indígenas, gente que desencarnou em tragédias… Foi um show de horrores, não um espetáculo de humor! O caso, contudo, ainda não está encerrado. Cabe recurso. 

Como o suposto humorista roteirizou o próprio desempenho e não é nenhum inocente em matéria de direitos e deveres, sabia muito bem o que estava fazendo e correu o risco deliberado de disparar sua metralhadora depreciativa. Foi xenófobo, capacitista, homofóbico, racista, etarista, aporofóbico, misógino… Tudo isso de uma vez só! 

Branco de olhos claros, heteronormativo e de boa situação financeira, Léo Lins, por essa razão, faz parte de um grupo que nunca é alvo de piadas preconceituosas: esse mesmo homem branco, heterossexual e de classe média alta. Não estou dizendo que todos os espécimes masculinos de pele alva que preferem mulheres têm a mesma conduta ou pensamento do infeliz comediante. Mas os homens brancos, é bom frisar, não são achacados ou perseguidos por serem quem são ou como são. Fazem parte de um grupo historicamente privilegiado que se julga acima da lei. É o chamado pacto da masculinidade branca. Como evidência, cito a quantidade de humoristas brancos que saiu em defesa de Léo Lins alegando que a condenação foi exagerada, que houve censura, que o humor não pode sofrer esse tipo de sanção, etc. 

Tenhamos em mente o seguinte: o que Léo Lins fez não foi humor. Foi um discurso de ódio disfarçado de entretenimento. Quando um ou mais grupos – principalmente os historicamente perseguidos – são intimidados com piadas grosseiras, quem as profere está reafirmando que existe um grupo privilegiado e intocável (no caso, o homem branco heterossexual, fisicamente perfeito) que pode ofender livremente os que não se encaixam no mesmo padrão. Isso é grave! 

Muitos que defendem Léo Lins talvez aleguem que o humor brasileiro está cheio de personagens preconceituosos que execravam as supostas minorias. Entre eles, o deputado Justo Veríssimo, criado e interpretado por Chico Anysio (1931-2012), que tanto nos brindou com personagens inesquecíveis. Cheio de desprezo pelos pobres, Justo vivia arquitetando formas de reduzir a quantidade de pobres e proferia os seguintes bordões: “Pobre tem que morrer” e ”Quero que pobre se exploda”. Na mesma toada, temos a Senhora dos Absurdos, genial criação do humorista Paulo Gustavo (1978-2021). Moradora do Leblon, bairro da alta classe média carioca, a dita Senhora, do alto de sua luxuosa cobertura, destila uma série de ofensas preconceituosas aos gays, pobres e demais grupos tidos como minoritários. 

Só que tanto Justo Veríssimo como a Senhora dos Absurdos são personagens criados para mostrar como as elites podem ser cruéis, hipócritas e fascistas neste país ainda tão transpassado por uma mentalidade escravagista, patriarcal e homofóbica. Uma elite que se vale da cútis branca e do poderio econômico para intimidar, perseguir e, muitas vezes, eliminar quem é tido como inferior. Ambos são uma bem construída crítica social. De forma ácida e cruel sim, mas não com o intuito de massacrar quem já é oprimido e sim para mostrar a necessidade que temos de combater quem se julga melhor que os outros e trabalharmos por um mundo onde as oportunidades, direitos e deveres abracem a todos. 

Com Léo Lins o caso é diferente. Ele, de cara limpa, sendo ele próprio, ataca e debocha de crianças passando fome, pessoas com HIV, os LGBTQIAPN+, as vítimas do incêndio da boate Kiss… Enquanto Chico Anísio e Paulo Gustavo chamavam as pessoas para rirem com eles, mostrando o quanto pessoas egoístas e cruéis são patéticas em suas vidas miúdas, Léo Lins se mostra egoísta e cruel, chamando o público para se juntar a ele com o objetivo de tripudiar em cima de gente que vive sofrendo toda sorte de preconceitos. São casos totalmente distintos. 

Muitos jornalistas e cientistas sociais ressaltaram (vide as referências) que a liberdade de expressão termina quando machuca outra pessoa, seja física ou emocionalmente. Se alguém faz um discurso que incita o público a ferir o próximo, não é humor. E com o agravante de o autor ser um branco privilegiado que utiliza o fato de ser quem é para ampliar o discurso discriminatório. Por isso, o acontecido se configurou em crime de racismo recreativo cometido reiteradas vezes, pois ele ofendeu vários grupos num só show. Daí a extensão da pena. Não é censura, como aventaram alguns, mas o ato de responsabilizar, nos termos da lei, alguém que se valeu de um certo privilégio para reforçar estigmas e estereótipos que desumanizam pessoas.

Em “O livro dos Espíritos”, no capítulo referente à lei de justiça, amor e caridade, Allan Kardec fornece uma variada gama de argumentos para mostrarmos que, no caso em análise, liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade de opressão e que a comédia existe para rirmos da imperfeição humana (inclusive a nossa); nunca da dor humana!

Na questão 873, Kardec explica que o sentimento de justiça está de tal modo inserido na natureza humana, que nos revoltamos diante da simples ideia de uma injustiça. Eis porque muitas vozes se levantaram contra o humor totalmente inapropriado de Léo Lins a ponto de ele ser enquadrado na forma da lei. E como a mesma questão deixa claro que homens simples e com pouca cultura possuem, muitas vezes, um senso de justiça mais aguçado que muita gente instruída, não é de se admirar que o corporativismo falou mais alto que o sentimento de caridade na hora de os colegas de ofício se unirem para tentar salvar a pele do réu/comediante. 

Essa reação dos brancos privilegiados se confirma na questão 874, em que Kardec ressalta que os homens costumam entender a justiça de modo diverso pelo fato de, a ela, serem misturadas as paixões humanas (neste caso, privilégio social e orgulho de ser branco). Por isso, o protesto dos que consideram injusto o que, de fato, foi uma punição justa. 

Por fim, a pergunta 876 fecha o assunto com chave de ouro ao relembrar que Jesus disse que devemos querer para os outros aquilo que queremos para nós mesmos. 

Em suma: se quisermos que nossos direitos sejam respeitados, respeitemos o direito alheio. Se quisermos ser tratados com justiça e educação, façamos o mesmo com as pessoas à nossa volta. Se não quisermos ser vítimas de preconceito social, racial, religioso, sexual, etc., respeitemos o próximo e suas diferenças. E se quisermos que o riso corra saudável para divertir as pessoas e fazê-las acordar para movimentos que precisam acontecer para mudar a sociedade para melhor, tenhamos em mente a frase dita pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975): “O riso deve ser usado para desestabilizar quem pratica o mal e não para ridicularizar quem sofre o mal”. 

Referências:

  1. INSTAGRAM – Cris Guterres, jornalista. 
  2. INSTAGRAM – Josué Alves, professore de história e geografia.
  3. INSTAGRAM – Luiza Mandela, letramento racial.
  4. INSTAGRAM – Ricardo Mello, jornalista. 
  5. INSTAGRAM – Wanderson Dutch, escritor e ativista. 
  6. KARDEC, Allan – O livro dos Espíritos, 60ª edição, 1984, Federação Espírita Brasileira (FEB), Brasília, DF. 
  7. SPLASH, Uol – Léo Lins: entenda a condenação e possibilidade de prisão do humorista. Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/noticias/2025/06/04/leo-lins-condenacao.htm>. Acesso em 13. jun. 2025. 

Imagem de 1tamara2 por Pixabay

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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2 thoughts on “Humor e falta de amor: o caso Léo Lins, por Marcelo Teixeira 

  1. Excelente e esclarecedor texto. Porém, acrescento que não foram só humoristas brancos que o defenderam, Hélio de La Peña, humorista preto, também o defendeu em debate no canal Globo News, passou vergonha.

    1. Cláudia, eu sei que o Hélio defendeu o Léo Lins, mas preferi me ater à maioria esmagadora de brancos que fez o mesmo. Tanto que, no artigo, não digo que ele foi somente defendido por brancos..