Por Manoel Fernandes Neto e Nelson Esteves dos Santos
Em tempos estranhos, nunca é excessivo pensar Kardec sob variadas reflexões. Sim, o Espiritismo foi “descoberto” pelas redes sociais — mas, infelizmente, sob os prismas mais traumáticos: achismos, exageros e sensacionalismos. O “extraordinário” domina, em busca de cliques.
A mentira se multiplica. Os novos “baluartes” da compreensão da Doutrina — para usar uma ironia suave — não economizam nos métodos para distorcer a racionalidade do mestre de Lyon, em um autêntico filme de terror.
Hoje, o adversário não é apenas o igrejismo de casas e federativas (em sua maioria), mas também o “zoológico” de falsos entendimentos do Espiritismo.
O Coletivo ECK não se cala — nem se cansa. Clarificar Kardec a todo momento traz um refrigério de sensações e honra os grandes pensadores que construíram a história doutrinária.
O medo não faz parte de quem busca a racionalidade ou mergulha nas raízes profundas do Iluminismo. Abraçamos, isso sim, a compreensão de linguagens e ícones, em diálogo constante com a contemporaneidade — validando, mais e mais, os pilares kardecianos, sempre fortalecidos a cada edição da Revista Harmonia.
A filosofia, o filosofar e o filósofo
Em todos os campos de conhecimento, inclusive espírita, a filosofia, o filosofar e o filósofo, revestem-se de novas percepções. A cada reflexão, realizada por meio de princípios lógicos, o ser no mundo lucubra a partir de pontos e criações, conceitos e teorias, aprofundando a racionalidade e o cientificismo. Assim é o legado de Kardec, que vigora ontem, hoje e — com os que o defendem — amanhã, mantendo-o vigente até o momento em que surjam novos conceitos no edifício doutrinário, porque também o Professor francês assim recomendou.
Na abertura de nossa edição Marcelo Henrique, no artigo “Médiuns Impressionáveis: quando o fenômeno vira fantasia e a mediunidade passa a ser banalizada pelo médium”, descortina, com conhecimento, o trato da mediunidade nos conceitos fundamentados no Espiritismo e como esse é ignorado — ou até mesmo desconhecido — pelo meio espírita. Demonstra que o mediunismo praticado nos grupos e casas espíritas é equivocado, superficial e místico, assim como os produtos dele gerados, sejam mensagens ou romances psicografados. São, via de regra, textos superdimensionados, sem critérios analíticos, escudando-se em pressupostos-argumentos de autoridade, gerando cantilenas absurdas, eivadas de dor e culpa na vivência do ser durante sua existência material. Uma lamentável prática que conduz à banalização do exercício mediúnico e, consequentemente, a falta do compromisso com a verdade lógica e racional.
Nossa exploração intelectual não recua! Haveria a possibilidade de utilizar-se o conceito decolonial de saber, tão em uso por acadêmicos latinos em vários outros segmentos filosóficos, no corpo científico e filosófico do Espiritismo? Marco Milani, no artigo “A universalidade do Espiritismo frente às abordagens decoloniais”, rechaça, peremptoriamente, a decolonialidade, uma vez que o Espiritismo é um sistema filosófico aberto, universalista, racional, progressivo. O processo decolonial, assim, estaria colidindo com a proposta metodológica espíritista, resultando em fracasso, pois não respeitaria a singularidade epistemológica e histórica da doutrina.
Para ajudar a desvendar esse tempo de conhecimento, Viviane Pádua, na reflexão “Kardec: professor, assim como Antonieta de Barros”, homenageia dois baluartes da educação. De um lado o Prof. Rivail, laureado acadêmico, pesquisador, humanista, com amplo cabedal de conhecimentos, voltado ao desenvolvimento equitativo educacional, que assume o pseudônimo de Allan Kardec para fundamentar e sistematizar o Espiritismo através das comunicações dos amigos espirituais, legando à posteridade uma maravilhosa doutrina, científica e filosófica. De outro, Antonieta de Barros com uma trajetória de vicissitudes e de conquistas, a partir de uma infância pobre, perseverando, cursando magistério, tornando-se oradora, jornalista, escritora e militante, fundando seu próprio curso primário de alfabetização. Depois, a valorosa personagem ingressa na política, tornando-se a primeira mulher negra a ser eleita deputada estadual no Brasil. Ambos, cada qual em sua época, nos legaram um alvorecer calcado na cultura da paz e na pedagogia do amor, fundamentos importantes na construção integral do ser no mundo.
Nossa edição prossegue desmistificando o entendimento igrejeiro e equivocado da reencarnação apregoado pelo mainstream espírita, baseado, sobejamente, no binômio pecado e culpa, herdados de encarnações pretéritas. João G. Afonso Filho aborda, magistralmente, em “Reencarnação: Desmistificando Mitos e Descobrindo Nosso Verdadeiro Propósito”, as deturpações que levam o meio espírita ao desconhecimento e à ignorância, não promovendo a disseminação das necessárias respostas. Sustenta, em seu artigo, a exposição racional e crítica disposta em “O livro dos Espíritos”, convidando o espírita a repensar os ensinamentos enviesadamente adquiridos.
Para encerrar a Harmonia de maio, Wilson Custódio Filho traz uma visão tecnológica e criativa em “A IA Adiou a Morte? Limites da Ciência na Perspectiva Espírita”, em que traça os parâmetros da evolução computacional e as benesses no campo do conhecimento que a suposta inteligência poderá trazer à sociedade em seu desenvolvimento. É de se perguntar: Essa evolução traria algo além do código binário que processa? Poderíamos considerar como uma inteligência? Qual seria sua utilidade para o Espiritismo? E o articulista destaca que, hoje, por sua grandeza de processamento, a IA pode auxiliar soluções em vários campos do conhecimento; porém, não tem (nem terá) os (completos) atributos da inteligência humana, que acompanha os seres espirituais para além da matéria.
Novamente sem receios de conhecer Allan Kardec, convidamos o leitor a apreciar cada artigo dessa edição da Revista Harmonia, com o “espírito da letra”, essencial à compreensão do Espiritismo para além das superficialidades.
Porque o ontem é hoje. E hoje será sempre amanhã. Ou não?
Caro leitor, você é o protagonista dessas questões.
Imagem de Evgeni Tcherkasski por Pixabay
Edição: Maio de 2025
Editorial: O Essencial Kardec, por Manoel Fernandes Neto e Nelson Esteves dos Santos
A universalidade do Espiritismo frente às abordagens decoloniais, por Marco Milani
Kardec: professor, assim como Antonieta de Barros, por Viviane Pádua
É preciso retomar algumas práticas esquecidas, por Cláudio Bueno da Silva
A IA adiou a morte? Limites da ciência na perspectiva espírita, por Wilson Custódio Filho