Wilson Garcia
***
Uma análise sobre como radicalismos de esquerda e direita, em sua busca pelo poder absoluto, frequentemente adotam métodos e estruturas surpreendentemente similares – e uma leitura espírita sobre o tema.
***
É comum pensarmos a política como uma linha reta: à esquerda, um polo; à direita, o outro; entre eles, um centro que ora se expande, ora se contrai, mas oferece sensação de equilíbrio. Essa visão ordenada nos conforta, pois organiza o caos das ideias em campos definidos. No entanto, uma metáfora mais precisa – e perturbadora – para descrever o espectro político radical é a da ferradura: embora os extremos pareçam distantes, na prática se curvam até quase se tocar.
A máxima “os extremos se tocam” é uma das mais controversas – e mal compreendidas – da filosofia política. Sua força está em desafiar as identidades tribais e as certezas maniqueístas que dominam o discurso público. Afinal, como podem ideologias que se veem como inimigas mortais compartilhar qualquer traço em comum?
A chave para compreender esse paradoxo está em distinguir: não se trata de equiparar ideologias em sua essência, mas de observar a convergência de métodos e estruturas de poder quando levadas ao absoluto.
A lógica do totalitarismo: o ponto de contato
Podemos discordar radicalmente sobre o que seria uma sociedade ideal – seja ela fundada na igualdade econômica plena ou na identidade nacional absoluta. No entanto, quando a busca por essa utopia se realiza pela supressão violenta do dissenso, pelo controle estatal da vida e da comunicação e pela anulação do indivíduo em favor de uma coletividade abstrata, os métodos tornam-se espelhos um do outro.
É nesse ponto que a ferradura se fecha. O estalinismo (extrema-esquerda) e o nazismo (extrema-direita), ainda que antagônicos em teoria, na prática histórica erigiram:
- Estados de partido único e onipresentes.
- Vigilância em massa e polícia secreta.
- Culto à personalidade do líder supremo.
- Controle férreo da mídia e da propaganda.
- Perseguição sistemática a inimigos políticos e grupos indesejados.
A ferramenta era a mesma: o Estado totalitário. As justificativas variavam – “luta de classes” de um lado, “pureza racial” do outro – mas o mecanismo de opressão era assustadoramente semelhante.
Para além da política: o dogma em todas as formas
Esse fenômeno não se restringe à esfera política. Ele se manifesta em debates sociais e culturais:
- O puritanismo tradicional busca censurar artes e comportamentos em nome da moralidade e da tradição.
- Certo puritanismo progressista radical — a chamada “cultura do cancelamento” — pode censurar em nome da justiça social e da correção política.
O ponto de contato? A intolerância ao debate e a convicção de possuir um monopólio moral que autoriza impor regras a todos, frequentemente pela coerção ou pelo ostracismo, e não pela persuasão.
O mesmo padrão surge entre o fundamentalismo religioso, que rejeita a ciência em favor do dogma, e o cientificismo radical, que descarta qualquer saber – como filosofia ou arte – fora da sua definição estreita de “verdade”. Ambos são dogmáticos e fechados ao questionamento.
Um alerta, não uma equiparação
Reconhecer essas semelhanças não é o mesmo que afirmar que os extremos são idênticos. Suas intenções declaradas e bases filosóficas continuam diferentes. Mas é um erro ignorar como o radicalismo corrói princípios originais.
A lição da ferradura é um alerta: qualquer ideologia, quando levada ao extremo, corre o risco fatal de trair suas próprias raízes. A busca por um mundo perfeito frequentemente justifica meios imperfeitos e destrutivos – e o extremo de um lado acaba se tornando reflexo distorcido do outro.
Num tempo de polarização aguda, entender essa dinâmica é mais urgente do que nunca. Não para invalidar debates entre esquerda e direita, mas para valorizar o espaço democrático – não como indecisão, mas como terreno do diálogo, da nuance e da defesa firme das liberdades individuais, sempre as primeiras vítimas quando os extremos, por fim, se tocam.
Os extremos que se tocam: uma leitura à luz da Doutrina Espírita
Enquanto o artigo principal aborda as convergências dos extremos na esfera sociopolítica, a Doutrina Espírita oferece uma lente singular para compreendê-las, enraizando-as numa perspectiva moral e espiritual.
- A lei de causa e efeito e o “obsessor coletivo”
Pela lei de causa e efeito, o Espiritismo ensina que toda ideia e ação gera consequências. Radicalismos, de qualquer matriz, quando alimentados pelo ódio, intolerância e desejo de dominação, formam um “obsessor coletivo” – uma egrégora de pensamentos negativos que atua como entidade viva, influenciando grupos e nações. Assim, extremos opostos, ao vibrarem na mesma frequência de violência e arrogância, acabam por se nutrir mutuamente num ciclo de retroalimentação espiritual.
- A falência do materialismo
Os extremos radicais, tanto de direita quanto de esquerda, partilham uma visão materialista da existência. Reduzem o ser humano a categorias externas – classe, raça, nação – e ignoram sua natureza espiritual. Para o Espiritismo, aí está a raiz do problema. Ao negar a dimensão da alma, esses sistemas tornam-se naturalmente autoritários, impondo a transformação de fora para dentro, pelo Estado ou pela revolução, em vez de cultivá-la de dentro para fora, pela educação moral e pelo aperfeiçoamento da consciência.
- A questão do livre-arbítrio
Segundo “O livro dos Espíritos”, o livre-arbítrio é a pedra angular da evolução. Mas os sistemas extremistas tentam restringi-lo, controlando pensamentos, expressões e condutas. Ambos cometem o mesmo erro: pretender substituir a lei natural de causa e efeito – pela qual cada Espírito aprende com as próprias escolhas – por um controle humano totalitário. Assim, “se tocam” em sua desconfiança na capacidade do indivíduo de optar pelo bem quando esclarecido e livre.
- A síntese espírita: o equilíbrio como virtude
O Espiritismo não propõe um centro político convencional, mas defende o equilíbrio como virtude espiritual. Valoriza a caridade (amor ao próximo) acima de ideologias, a tolerância como respeito ao estágio evolutivo de cada ser e o progresso moral como base de todo progresso material. O “centro”, na leitura espírita, não é neutralidade, mas atitude ética: combater excessos de ambos os lados, reconhecendo que o fanatismo é fruto do orgulho e da ignorância espiritual.
Conclusão da análise
A máxima “os extremos se tocam” encontra eco no Espiritismo não como curiosidade política, mas como aviso sobre as consequências espirituais do fanatismo. Quando ideias, mesmo bem-intencionadas, se divorciam de valores como amor, caridade e respeito ao livre-arbítrio, degeneram em diferentes formas do mesmo mal: o desejo de poder e de dominação, que bloqueia a evolução coletiva.
A saída não está em novos radicalismos, mas na construção do homem de bem e no aperfeiçoamento social sustentado por uma política de paz e justiça, alicerces para uma sociedade verdadeiramente justa, fraterna e em sintonia com as leis divinas.
Imagem de Mohamed Hassan por Pixabay

Setembro de 2025
ACESSE: Harmonia – Setembro de 2025
Interessantíssimo, Wilson Garcia!
Ao ler seu artigo, imediatamente me veio à mente uma frase marcante: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” Isso me levou a refletir que, sim, a verdade pode ser relativa — e nesse ponto, lembro da velha máxima da minha mãe: “Tudo que é demais faz mal, meu filho. Seja moderado.
Seu texto é provocador e necessário, especialmente ao mostrar como os extremos, mesmo opostos, podem se encontrar na intolerância e na sede de controle. A leitura espírita que você propõe amplia ainda mais essa reflexão, trazendo luz sobre os riscos do fanatismo e a importância do equilíbrio moral e espiritual. Parabéns pela abordagem lúcida e corajosa!