O Espiritismo e o materialismo, por Jaci Regis (in memoriam)

Tempo de leitura: 3 minutos

Por Jaci Regis (in memoriam)

Na questão 799 de O Livro dos Espíritos, Kardec pergunta: – De que maneira o Espiritismo pode contribuir para o progresso? E a resposta é objetiva: Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele, (o Espiritismo) faz os homens compreenderem onde está o seu verdadeiro interesse. A vida futura não estando mais velada pela dúvida, o homem compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente. Destruindo os preconceitos de seita, e casta de cor, ele ensina aos homens a grande solidariedade que os deve unir como irmãos.

A compreensão da imortalidade abre horizontes, modifica o próprio significado da vida corpórea. Mas não se pode entender a resposta como um convite a considerar a vida terrena desprezível. Na verdade, na questão, o termo “materialismo” abrange todos os segmentos que consideram a vida terrena dentro do espaço berço-túmulo, com seu cortejo de incertezas e conflitos. E isso produz a angústia do fim, a sensação de inutilidade dos valores. No final das contas, as religiões, como detentoras dos valores através dos tempos, têm responsabilidade pela desqualificação da existência. As promessas de prêmios e castigos além-túmulo não produziram efeito prolongado e sólido para sustentar a manutenção dos valores, à medida que seu domínio foi sendo enfraquecido pelo progresso e pela liberação das ideias. Parte daí o incentivo para o materialismo existencial básico que está na raiz do comportamento geral.

A solução do problema está no desenvolvimento da espiritualidade, compreendida como a transcendência da materialidade da vida. E que não tem ligação necessária com cultos, crenças e religiões ou fé. É produto do Espírito na busca de valores capazes de manter a existência num nível de equilíbrio entre as necessidades e a sensibilidade. Ou seja, significa o cultivo de valores capazes de harmonizar a mente, o coração e a inteligência, superando os apelos extremados do egoísmo.

Ela permanece na essência do ser, usufruindo, construindo e vivendo intensamente o momento existencial que a vida corpórea nos oferece, mas transcendendo as limitações da morte, porque a imortalidade permite que o ser se projete no tempo, sem perder o minuto.

O Espiritismo pode ajudar a sustentar essa espiritualidade, se conseguir desmontar a mentalidade materialista que subsiste mesmo nos mais místicos e nos mais religiosos, que encontram dificuldade em viver o mundo. O que não pode é repetir os erros das religiões que quiserem afastar o ser de suas necessidades afetivas, negando seus problemas psicológicos, desejos e aspirações, com o apelo da renúncia de si mesmo, que resulta na criação de personalidades falsas.

Somos Espíritos em aprendizado dentro da Lei de Evolução. Isto é, somos imperfeitos, mas não necessariamente maus. A doutrina constrói uma visão positiva da vida e do ser, considerando as necessidades do Espírito em evolução eliminando a angústia cria da pela visão da vida, do ser e do futuro dominada pela morte. Essa angústia abriu as portas à satisfação do egoísmo, seja no contato social, seja na tentativa de buscar satisfação e gozo irrefreado, como alternativa para a frustração e da inutilidade da existência.

Algumas atitudes humanas, libertando-se da tirania das religiões e dos valores castradores do ser, são injustamente classificados como materialistas. Na verdade, muito do progresso humano é fruto desse materialismo que questionou critérios, leis e costumes e avançou derrubando tabus, preconceitos e barreiras.

Se o Espiritismo quiser ajudar o progresso deverá usar uma nova linguagem e aprender a analisar os fenômenos do progresso, os conflitos humanos, sob o ângulo da Lei de Evolução e não sob o prisma do pecado, da culpa e do castigo. Ao lado da certeza da imortalidade há de se criar a mentalidade liberta, capaz de superar os desvios e alimentar no Espírito a chama da autorrealização, a certeza da Justiça Divina, não pelas reencarnações punitivas, mas pela benção do recomeço, da reparação, da renovação e da revolução dos estágios que cada um tem atingido, na busca da felicidade.

Pois para isso fomos criados, para sermos felizes.

E para sermos felizes, precisamos aprender a usar os talentos da vida, desenvolvendo a espiritualidade que nos identificará enquanto encarnados e depois, para sempre, progressivamente.

Artigo originalmente publicado no periódico Abertura – Jornal de Cultura Espírita, órgão do Instituto de Cultura Kardecista de Santos – ICKS, ano XVIII, n. 207, outubro 2005.

Imagem de Anke Sundermeier por Pixabay

Written by 

Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

Deixe um comentário para Rosário Relvas Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

One thought on “O Espiritismo e o materialismo, por Jaci Regis (in memoriam)

  1. Este texto tem pelo menos 20 anos, o que mudou??? Nada., só alguns o lêem, só poucos o entendem.
    Quantas reencarnações teremos que ter para que essas premissas sejam uma realidade no mundo. Estamos a atravessar uma era super avançada em tecnologias, mas espíritualmente parece que estagnamos, guerras, injustiças,genocídios, maldade parecem ser mais comuns do que vidas felizes e amor. Tocou-nos viver aqui e agora para aprender e lutar por um mundo de justiça e de Amor. Estejamos unidos.