O CUEE na prática contemporânea, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 7 minutos

Marcelo Henrique

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O CUEE, tal como Kardec o concebeu, permitindo que a nossa inteligência e a nossa ética agreguem à estrutura originária elementos que a tecnologia nos permita, neste Século XXI, segue sendo a referência exclusiva e inafastável para as atividades mediúnicas espíritas. Apresentamos, aqui, um exercício de aplicabilidade do CUEE nos dias atuais.

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Introdução

Qualquer estudioso espírita conhece o significado da sigla que figura no título deste ensaio, o CUEE. Sua tradução é “Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos” [1]. Por que controle? Porque a mediunidade é livre e deriva da relação natural entre desencarnados e encarnados. Mas ela precisa ser aferida, analisada, comparada, para separar o que é fundamento, o que é princípio e o que é mera opinião dos Espíritos (seja encarnados ou desencarnados). Por que universalidade? Porque é da concordância entre o que disseram os indivíduos (repetimos, os desencarnados e os encarnados), aplicando-se a lógica racional sobre as mensagens, que extrai-se aquilo que é alinhado às Leis Espirituais que presidem Espíritos e mundos habitados.

Desta concordância universal, resultante do controle aplicado na prática, resulta o conjunto dos Ensinos dos Espíritos que, para nós, espíritas, é a Doutrina dos Espíritos ou a Filosofia Espírita.

Os Espíritas e o CUEE

Apesar de estruturalmente ligado à origem e à composição filosófico-científica do Espiritismo, o CUEE – pasmem! – não é unanimidade entre os espíritas. Vamos até além: na chamada “mediunidade à brasileira”, o CUEE só serviu para a “formação do Espiritismo” – isto é, o período compreendido entre abril de 1857 (publicação da primeira edição de “O livro dos Espíritos”) e abril de 1869 (o marco final é a publicação do fascículo de abril deste ano da “Revue Spirite) – e, portanto, para a vasta produção mediúnica do século XX (tendo Francisco Cândido Xavier como o principal protagonista), e toda e qualquer mensagem mediúnica recebida, seja no Centro Espírita da Dona Maria, na periferia de uma cidade brasileira, seja na maior e mais frequentada instituição espírita de uma cidade grande, como São Paulo (SP), não precisaria sofrer qualquer análise ou avaliação.

Nesse escopo, afirmamos [2] que o CUEE, enquanto

“critério avaliatório e analítico que Kardec elaborou para aferição das mensagens advindas dos seres desencarnados, pela mediunidade, denominado Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE), ainda hoje é objeto de acaloradas e intermináveis discussões sobre sua natureza, finalidade e, principalmente, eficácia entre os espíritas”.

Obviamente, referido controle não pode(ria) ficar limitado ao que Kardec propôs e executou no Século XIX, porquanto devemos considerar o caráter progressista do Espiritismo e, assim sendo,

“com o passar do tempo, os critérios deveriam ser melhor desenvolvidos, com acréscimos decorrentes da própria experimentação e agregando instrumentos das ciências humano-espirituais”.

E, concluímos: “Isso, entretanto, infelizmente, não ocorreu, tendo o CUEE permanecido estagnado à época de sua criação [3]. Ficou no passado”.

Mas, nem tudo está perdido…

As iniciativas em curso

Pela internet temos tido acesso a alguns relatórios produzidos por grupos que têm experimentado, novamente, o controle sobre a produção mediúnica na contemporaneidade. São exercícios válidos e importantes, porque se distanciam da generalizada apatia e submissão aos textos mediúnicos. Desafiam, os que assim têm procedido, a “ditadura da mediunidade”, que é uma espécie de viralatismo que tomou conta há décadas do chamado “movimento espírita”, no sentido de que somente os desencarnados, considerados Superiores, teriam “algo útil a dizer” e tudo o que eles dissessem seria “incontestável” [4] [5].

Também pelas redes sociais, temos conversado com pessoas que em “núcleos familiares” de Espiritismo ou pequenos grupos mediúnicos em instituições/grupos espíritas, têm recepcionado mensagens e aplicado a crítica construtiva e a avaliação dos conteúdos, de forma similar ao que Kardec realizou nos (quase) doze anos de sua atividade espiritista.

E o ECK?

A “onda” da retomada do método de Kardec (para dialogar com as Inteligências Invisíveis e de aplicação de um filtro de análise lógico-racional das mensagens mediúnicas) está em curso e a todo vapor.

Em setembro de 2018, publicamos um documento [6], no Portal ECK, intitulado “Uma revisão da metodologia kardequiana para a universalidade do ensino dos espíritos”, em que apresentamos uma proposta factível para a avaliação de mensagens a partir da experimentação de evocações e mensagens espontâneas. Nele salientamos um componente inafastável:

“vemos teoricamente possível, praticamente viável, mas falta um elemento essencial, que é tarefa dos espíritas desenvolverem enquanto método pós-kardeciano de apreciação, seleção e composição de obras, que possam ser submetidas ao crivo de estudiosos e especialistas em Espiritismo (e não meramente simpatizantes, frequentadores de grupos/instituições), para exame imparcial e crítico. Esse elemento é a ÉTICA, capaz de superar personalismos, individualismo e vaidade e orgulho”.

Nas últimas semanas, o ECK foi procurado por médiuns/grupos mediúnicos, no sentido de realizar uma análise crítica dos conteúdos recebidos, em função do intercâmbio entre “vivos” e “mortos” [7].

Trata-se, em verdade, de uma espécie de controle, conforme as possibilidades dos analistas e com base nas premissas estabelecidas por Kardec. Não é o único e nem poderia ser, porque é necessário que os espíritas busquem alternativas e realizem exercícios neste sentido.

Conclusão

A perspectiva dos avanços do pensamento espírita na atualidade compreende a somatória daqueles que entendem o alcance e a oportunidade da Doutrina dos Espíritos, como Filosofia e Ciência, para que as bases kardecianas sejam respeitadas e se agregue ao “edifício kardeciano” elementos que são compatíveis com a premissa da progressividade das atividades, práticas e teorias espíritas.

O CUEE, tal como Kardec o concebeu, permitindo que a nossa inteligência e a nossa ética agreguem à estrutura originária elementos que a tecnologia nos permita, neste Século XXI, segue sendo a referência exclusiva e inafastável para “somente admitir como componentes da Doutrina dos Espíritos aquelas informações dadas por diferentes médiuns em distintos momentos, SEM CONTATO ou COMUNICAÇÃO entre os receptores, fique isto bem claro, assim como sem possibilidade alguma de influência de uma mensagem prévia nas subsequentes”, como afirmamos em recente ensaio [8].

Neste sentido, convidamos os leitores a apreciarem o documento anexo – Parecer CEACE n. 001/2025 (link ao final) – para atentarem para os critérios utilizados e o resultado final. E fica a sugestão para que, nas atividades de que participem e, até, na leitura de textos/obras mediúnicos, se faça a análise baseada no CUEE de Kardec.

LINK
Parecer CEACE 001 2025

 

Notas do Autor:

[1] Em artigo na Revista Espírita Eletrônica Harmonia, uma publicação do ECK, “O CUEE – Autoridade e Controle?”, Célia Aldegalega historia o CUEE: “O Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos (CUEE) assenta na replicação de comunicações produzidas por diversos espíritos, através de diversos médiuns, em diferentes territórios nacionais e internacionais, concomitantemente. Observação e comparação. A recorrência do conteúdo das comunicações, ou mesmo a unanimidade, como Kardec afirma, certificaria a sua veracidade, e o seu valor. É apresentado simultaneamente na edição de abril de 1864 da “Revista Espírita” e em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, sob o título lapidar “Autoridade da Doutrina Espírita”, e o subtítulo, “Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos”. O título impositivo e afirmativo denota propósito de legitimação da doutrina através de um método replicado da ciência, enunciado em subtítulo, com reforço na palavra “controle”. Em rigor, o extenso texto está mais próximo de formato manifesto, onde afirma a universalidade da doutrina espírita, do que de explicitação de critérios metodológicos, sendo a razão o primeiro critério de avaliação dos conteúdos”. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/o-cuee-autoridade-e-controle-por-celia-aldegalega/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

[2] Trechos do Editorial intitulado “O Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos: Presente, Passado e Futuro”, da edição de julho de 2021, da Revista Espírita Eletrônica Harmonia, uma publicação do ECK. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/e-d-i-t-o-r-i-a-l-o-controle-universal-dos-ensinos-dos-espiritos-presente-passado-e-futuro/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

[3] Nelson Santos, em seu artigo “O caminho, a luz e a caixa”, ilustra, na prática, o que Kardec fazia, na explicitação do CUEE: “Kardec na “Revue Spirite”, especificamente em janeiro de 1862, realizou um ensaio, uma tese, sobre a interpretação da doutrina dos anjos decaídos, posteriormente transformada em fundamento doutrinário, albergando mais elementos e submetido ao Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE). Então, em “A Gênese”, no Capítulo XI, embasando e contextualizando o conceito de emigração e imigração dos Espíritos, entre eles a imigração de Espíritos intelectualmente dotados, para impulsionar a evolução do homem primitivo ao Adão simbólico, intelectual e branco, o conceito basilar da raça adâmica.”.  Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/o-caminho-a-luz-e-a-caixa-por-nelson-santos/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

[4] Outro artigo do Portal ECK, de autoria de Leonardo Paixão (“Sobre o Controle Universal do Ensino dos Espíritos”), trata desta questão. Afirma ele: “no decorrer da História do Espiritismo no Brasil, se consolidou a irrestrita confiança em médiuns e em Espíritos, bem como a falta de criticidade nos adeptos da Doutrina Espírita, notadamente em relação às comunicações dos Espíritos, o que deu (e ainda dá) margem a muitas mistificações. Isto também resultou no fato de que muitos médiuns não trabalhassem a questão do ego ferido, quando suas comunicações são questionadas. Mas, estaria tal estado de coisas presente somente por questões históricas? A História investiga o passado para explicar o presente, mas também ela está por se fazer, a ser construída no momento atual. Portanto, cabe aos dirigentes espíritas, ao nosso ver, em especial, trabalharem para que os membros dos Grupos/Casas que dirigem construam o pensamento crítico. Do contrário se permanecerá na mesma e com o reforço de dirigentes espíritas, ainda que tenham formação educacional em nível superior.”. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/sobre-o-controle-universal-do-ensino-dos-espiritos-por-leonardo-paixao/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

[5] Também afirmamos: “Nas associações espíritas, vige o princípio da autoridade (?) que produz (quando médium psicógrafo ou psicofônico) ou “certifica” (isto é, atesta, homologa e endossa) os textos que lá são recebidos, inclusive, as mais das vezes, os incluem em periódicos que editam ou os reproduzem para consumo dos frequentadores. Tudo sem o mínimo respeito à análise do conteúdo das mensagens (vide as observações do Codificador sobre a metodologia do seu trabalho pioneiro, em sede do consenso universal dos ensinos dos espíritos – CUEE)”. Está no artigo “Médiuns Impressionáveis: quando o fenômeno vira fantasia e a mediunidade passa a ser banalizada pelo médium”, disponível em: <https://www.comkardec.net.br/mediuns-impressionaveis-quando-o-fenomeno-vira-fantasia-e-a-mediunidade-passa-a-ser-banalizada-pelo-medium-por-marcelo-henrique/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

[6] O documento está disponível em: <https://www.comkardec.net.br/proposta-novo-cuee-eck/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

[7] Nesse sentido, repisamos a afirmação de Luciana Franco, no artigo “A falta de Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos nas obras mediúnicas brasileiras”, sobre a imperiosa necessidade de aplicação de um critério analisador e aferidor da produção mediúnica, hoje e em todos os tempos, sobre os textos: “O CUEE é o método científico da produção mediúnica. O médium que não quiser fazer CUEE para suas produções mediúnicas, não pode publicar sob o nome do Espiritismo, as novas informações que surjam. Isso que o Chico fazia, a Yvonne, o Divaldo, etc. As obras desses médiuns não tiveram CUEE, mas estão sob a Doutrina, no papel de comentá-la, analisá-la, nos ajudando a refletir sobre o que os Espíritos trouxeram. Não são obras “complementares”, não completam a Doutrina Espírita (essas só as que tivessem CUEE para as novas informações que iriam completar as que já têm)”. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/a-falta-do-controle-universal-dos-ensinamentos-dos-espiritos-nas-obras-mediunicas-brasileiras-por-luciana-franco/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

[8] Marcelo Henrique, em “A Ciência avançou, de 1868 para cá?”. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/ensaio-a-ciencia-avancou-de-1868-para-ca-por-marcelo-henrique/>. Acesso em 4. Nov. 2025.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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