Leão 14: fumaça branca de um papa ambientalista?, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 6 minutos

Marcelo Henrique

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Que possa Leão seguir Francisco naquilo que o primeiro edificou no sentido de preocupação com os socialmente mais vulneráveis e com o comprometimento de nações, empresas e a classe política, na mitigação dos efeitos danosos do “modus vivendi” do ser humano na atualidade.

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Neste 8 de maio de 2025, o Conclave escolheu o novo papa, pós-Bergoglio, o americano-peruano Robert Francis Prevost. Aparentemente, trata-se de um “azarão”, porque a mídia especializada apontava para outros favoritos ao posto. Prevost chega ao ápice da estrutura católico-cristã com uma trajetória de envolvimento com a justiça climática e ecológica. É o pontífice número 267 da história.

Sobre Bergoglio, seu antecessor, palavras carinhosas, em seu primeiro discurso papal:

“Ainda conservamos em nossos ouvidos aquela voz frágil, mas sempre corajosa, do Papa Francisco, que abençoava Roma”.

A escolha de Leão 14, para nós, espíritas, que elegemos, aqui no ECK, a sustentabilidade e a espiritualidade como uma das (nossas) imprescindíveis bandeiras – que regem ações – para a vida humano-espiritual, é um alento e uma expectativa auspiciosa.

Isto porque Prevost, segundo informações que nos chegam, neste Day After da sua escolha e “posse”, tem profunda vinculação com a temática ambiental, sobretudo em face da atitude humana de acolhimento e apoio às populações mais vulneráveis em decorrência da crise climática-ambiental que o planeta vem enfrentando.

Trajetória e Formação

Robert Francis é formado em matemática, filosofia e teologia, nascido em 14 de setembro de 1955, com ascendência franco-italiana e espanhola, tendo sido ordenado padre aos 22 anos. 

Doutor em Direito Canônico, pela Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino (Roma), passou a viver, em 1986, no Peru, percorrendo a trajetória de missionário, pároco, professor e bispo (2014). No país, alcançou especialidade no percurso e na atuação da igreja na América Latina, obtendo, assim, a cidadania peruana.

Das palavras à ação

Hora de passar “das palavras à ação”, no enfrentamento da crise climática humana e construir uma “relação de proximidade” com o meio ambiente.

Pois exatamente esta foi a afirmação de Prevost, em 28 de novembro de 2024, durante um seminário em Roma, para abordar os problemas ambientais à luz da encíclica “Laudato si’” (Louvado Sejas), do (então) Papa Francisco, inclusive para relatar as experiências da América Latina com esta conjuntura. O evento foi organizado pelas embaixadas de Cuba, Bolívia e Venezuela junto à Santa Sé, objetivando discutir o volume de impactos globais decorrentes da (atual) crise ambiental planetária.

Francisco, inclusive, enviou, naquela oportunidade, uma carta aos congressistas com um pontual alerta: as nações mais pobres e seus sinais não poderiam continuar sendo escondidas ou disfarçadas.

O (agora) papa, no evento, discorreu de modo pontual no sentido de que o homem não seja um tirano, destacando as consequências nocivas do desenvolvimento tecnológico para a vida terrena. Na qualidade de Prefeito do Dicastério para os Bispos e Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, afirmou que a resposta à crise é um desafio baseado na Doutrina Social da Igreja Católica:

“O domínio sobre a natureza – tarefa confiada por Deus à Humanidade – não deve se tornar tirânico, mas uma relação de reciprocidade entre os humanos e o meio ambiente”.

O cardeal ainda citou os esforços do Estado do Vaticano para a adoção de medidas de menor impacto ambiental, como veículos elétricos e painéis solares de energia.

Na esteira do evento, em termos civis, várias instituições e organizações pelo mundo afora têm trabalhado para a implementação dos princípios da “Laudato” no apoio sobretudo aos mais vulneráveis diante da galopante crise climática. As medidas envolvem, sobretudo, programas educacionais específicos voltados para os jovens, baseados na sustentabilidade ambiental, capacitando-os para atuarem nas áreas mais sensíveis e onde (ainda) há mão de obra escassa.

Voltando ao primeiro discurso como pontífice, o recado é claro: “O mal não prevalecerá”!

Tarde demais?

Uma das frases que ecoou no citado evento foi dita, não por Robert Francis, mas por Pedro Luis Pedroso, civil e Diretor-Geral de Assuntos Multilaterais do Governo de Cuba: “Amanhã já será tarde demais para abordar o que deveríamos ter feito há muito tempo”.

Isto porque cerca de 30% da população mundial tem sido exposta às mortais ondas de calor, por mais de 20 dias por ano, como tem destacado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. E os dez anos decorridos após a “Laudato” também foram os mais quentes de toda a história. Lamentavelmente.

Resta saber se Leão 14, com a influência de Chefe de Estado e com a ascendência sobre a comunidade cristã, terá condições práticas de influenciar os demais pares à adoção de efetivas medidas ambientais, a começar pelo seu compatriota Trump, declaradamente adepto de ideias de “frouxidão” em relação à preservação do planeta.

Paladino de Necessárias Causas

Especialistas têm identificado o perfil de Leão 14 a partir de sua trajetória – que o levou a ser Cardeal há menos de dois anos (nomeado em 30 de setembro de 2023) – como defensor de pautas como Justiça Social, Direitos Humanos e Meio Ambiente. E, neste sentido, tem-se uma “sucessão” por afinidade com Francisco, dentro do que, por exemplo, Lorna Gold (diretora executiva do Movimento Laudato Si’) afirmou: a eleição de Probst configura o “tempo de unidade e ação corajosa”. Vale salientar que esse movimento, civil, congrega os católicos interessados em ações de sustentabilidade, autoafirmando que “ajuda os 1,3 bilhão de católicos no mundo a […] salvar a criação de Deus”.

Na encíclica, ponto 13, consta: “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar”. Nada mais agregador em termos de solidariedade, fraternidade e justiça (social), portanto.

Remontando ao primeiro discurso leonino: “queremos ser uma igreja sinodal, uma igreja que caminha, que busca sempre a paz, que busca sempre a caridade, que busca sempre estar próxima, especialmente, àqueles que sofrem”.

Postura Política

O agora cardeal-mor da Igreja Católica Apostólica Romana é bem “popular”, sendo chamado de “cardeal tuiteiro”. Ativo no “X” (ex-Twitter), se posicionou claramente contrário à política anti-imigratória do presidente americano, Donald Trump, afirmando:

“Você não vê o sofrimento? Sua consciência não está perturbada? Como você pode ficar quieto?”, se dirigindo a Nayib Bukele (presidente de El Salvador), parceiro de Trump na política de deportações em massa, em encontro na Casa Branca.

Resta saber se essa virilidade com consistência e embasamento seguirá – como foi com Francisco – o rumo da ácida crítica àqueles governantes, políticos e empresários que agem com orgulho e egoísmo, na contramão do que os ensinamentos de Jesus apregoam, há mais de vinte séculos.

O nome papal

A inspiração maior de Prevost para a escolha do nome “Leão”, seguindo a linhagem de papas com o número quatorze, é a encíclica “Rerum Novarum” (Das coisas novas), escrita por Leão 13 (1891), considerada a primeira epístola social da igreja, já que discorre sobre as condições de vida dos operários, sendo, portanto, uma carta notadamente de inspiração socialista. 

Trata-se a carta, em verdade, do primeiro documento de natureza oficial do Catolicismo sobre problemas sociais e econômicos, consignando a clara impostação de como se estrutura e como se compreende a Doutrina Social da Igreja.

Cite-se, a propósito: “todos os homens são iguais, e não há diferença alguma entre ricos e pobres, patrões e criados, monarcas e súditos, porque é o mesmo o Senhor de todos”.

E o Espiritismo?

Ao leitor que chega ao final deste artigo, talvez ensimesmado sobre a presença de um texto falando da maior autoridade da religião católica, temos a dizer que o Espiritismo fala, desde sempre, da conservação como uma das Leis Morais (Espirituais) que vigem em todos os mundos habitados, como preceituam os seus princípios filosóficos. A “casa” que nos recebe para mais uma encarnação, a Terra, precisa do concurso humano, em termos de cuidado e preservação para que ela continue palco de novas experiências de outros Espíritos. Há, portanto, um dever espiritual na sua conservação.

De outra sorte, entendemos que o Espiritismo também precisa acompanhar (de perto) o que ocorre no planeta, aí inclusa a proeminência e a abrangência da doutrina religiosa, expressão do Cristianismo – com o qual, disse Kardec, o Espiritismo se correlaciona – tratando de questões que avançam da mera convicção e expressão religiosa e se tornam matéria de interesse comum planetário.

Assim como fizemos, algumas vezes, em relação ao Papa Francisco – que recentemente deixou o plano físico – todas as vezes que discursos, encíclicas ou a própria atuação do pontífice guardar conexão com a principiologia espírita e tiver elementos de espiritualidade (como, no presente caso, alinhado à sustentabilidade), estaremos abordando as temáticas com o viés decorrente da Filosofia Espírita.

Eis aí, também, o que Kardec prelecionou – e também é preocupação do ECK – acerca de “acompanhar os progressos das ciências”, observando o que há de positivo e transformador nas atividades humanas.

Nossa esperança, por fim, é que, de fato, Leão siga Francisco naquilo que o primeiro edificou no sentido de preocupação com os socialmente mais vulneráveis, com o comprometimento de nações, empresas e a classe política e na mitigação dos efeitos danosos do “modus vivendi” do ser humano na atualidade.

Fontes:

Brasil de Fato. “Tuiteiro, peruano e conciliador, papa Leão 14 já criticou política migratória de Trump”. 8 mai. 2025. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2025/05/08/tuiteiro-peruano-e-conciliador-papa-leao-14-ja-criticou-politica-migratoria-de-trump/>. Acesso em 8. mai. 2025.

CBN. “Última manifestação de Leão XIV nas redes sociais critica governo Trump e política de imigração”. 8 mai. 2025. Disponível em: <https://cbn.globo.com/mundo/noticia/2025/05/08/ultima-manifestacao-de-leao-xiv-nas-redes-sociais-cita-trump-e-politica-de-imigrantes.ghtml>. Acesso em 8. mai. 2025.

Durães, U. Mal não vai prevalecer: veja a íntegra da primeira bênção do papa Leão 14. “UOL Notícias”. 8 mai. 2025. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/05/08/mal-nao-vai-prevalecer-veja-a-integra-da-primeira-bencao-do-papa-leao-14.htm>. Acesso em 8. mai. 2025.

Gussie, K. Pope: Climate change impacts poorest and requires global cooperation. “Vatican News”. 29. nov. 2024. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/en/vatican-city/news/2024-11/climate-change-conference-latin-america-cardinals-rome.html>. Acesso em 8. mai. 2025.

Movimento Laudato Si’. “O que fazemos”. Disponível em: <https://laudatosimovement.org/pt/o-que-fazemos/>. Acesso em 8. mai. 2025.

Rerum Novarum. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html>. Acesso em 8. mai. 2025.

Imagem reprodução do vídeo de divulgação do VaticanNews.va

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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