Joguei a toalha!, por Ruy Ferreira

Tempo de leitura: 6 minutos

Ruy Ferreira

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Me sinto incapaz de professar (no sentido do ensino-aprendizagem) e de combater aquilo que em minha ótica faz mal ao Espiritismo. Quais sejam: aceitar o materialismo como de pacífica convivência com a Doutrina, a mistificação, a mitificação e o cunho religioso dogmático que em seu seio cresce a olhos vistos. É santificação de pessoas, ritos, lugares sagrados, novas formas de atuação dos vendilhões do templo, muitas vezes digitais, turismo religioso, infindáveis estudos sem a contrapartida prática e o desapego aos ensinos de Jesus de Nazaré e suas máximas morais que deveriam transformar o indivíduo, no varejo e não na massificação, no atacado.

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Esta expressão vem do boxe, um esporte violento, e significa que o treinador do boxeador agiu para encerrar a luta diante do massacre que seu pupilo está sofrendo no ringue. Ao jogar a toalha o treinador interrompe a luta e dá ao oponente a vitória.

Hoje tomei a decisão e, no ringue da prática mediúnica espírita, joguei a toalha!

Certamente que os meus oponentes nem sabem que somos adversários. Até o meu próximo, aquele a quem Jesus de Nazaré nos indicava a ação de amor e está a um braço de distância, não sabe que é um antagonista meu.

Logo, vale a pena esmiuçar o tablado onde o embate filosófico e prático se deu e situar o leitor no contexto problemático a que me refiro. Vamos contextualizar a situação.

Nasci em família católica. Tive a obrigação idêntica a todos os meus primos de estudar o catecismo e realizar a primeira comunhão aos sete anos de idade, na pequena Paracambi-RJ. Estamos falando dos Anos Dourados, o intervalo das Décadas de 1950 e 1960.

Ao mesmo tempo que ocorria o catecismo eu tinha manifestações mediúnicas que incomodavam meus pais e eles reagiram com o chinelo. Até que uma tia de meu pai, umbandista, segurou a mão dele e perguntou: – Posso levar o Ruy a um caboclo em Nova Iguaçu? Meu velho concordou e lá fomos nós para um terreiro do Caboclo Cobra Coral. Lá, diante do seu Congá, a entidade disse à tia Cândida que eram, sim, Espíritos que estavam se comunicando por meio de mim. E que, devido à minha tenra idade, era melhor eu ser levado a um centro “de mesa branca”, mas que ele faria um trabalho para bloquear temporariamente os meus dons mediúnicos. Sou grato ao Cobra Coral.

Meus pais, diante da solução preferiram seguir dois caminhos: o psiquiatra e o centro espírita. Para minha sorte na hora da consulta o médico foi atender a uma emergência e o irmão dele, um cardiologista, me atendeu. Sem perguntar nada, sem me examinar, sentado do outro lado da mesa, com as mãos diante de seus olhos o doutor diagnosticou: – Nada de doença mental, é mediunidade.

Afastando a intervenção científica, fui levado ao Centro Espírita Pioneiros da Verdade, em Nova Iguaçu-RJ, onde fui atendido pelo senhor Eugênio Beauvallet que, de imediato, me incluiu nos trabalhos práticos mediúnicos semanais. Terminava a Década de 1950.

Ali comecei a estudar o Espiritismo por meio das obras de Allan Kardec. Nenhuma outra era usada naquela casa, naquela época. Exaustivamente os 15 livros da Doutrina dos Espíritos foram lidos, debatidos e, muitas vezes, fui sabatinado pelo Sr. Eugênio e sua altiva irmã. Os anos se passaram e minha família foi morar em Nova Iguaçu e eu matriculado no Colégio Leopoldo Machado. Os diretores eram o Professor Newton Gonçalves de Barros e sua esposa Áurea, irmã de Leopoldo.

Pelas mãos do professor Newton, fui levado ao Grupo Espírita Fraternidade Irmã Sheila, na rua Francisco Barone e, lá, tomei contato com trabalhos mediúnicos de efeitos físicos, como a cura instantânea, a materialização luminosa, o transporte de objetos e o desdobramento (algo que me acompanhou até 2009), além de outras formas de comunicação com os espíritos. Esmiuçávamos “O livro dos Médiuns”, de cabo a rabo. E assim terminava minha formação filosófica e prática no Espiritismo e, também, a Década de 1960.

O fim de minha adolescência foi com o casamento precoce e todas os encargos que dele advém. A faculdade mediúnica foi para o final da fila de prioridades. Até que, no ano de 1978, a mediunidade me chamou de volta, de forma traumática. Já sargento do Exército, em Macaé, bati sem querer, mas desesperado, nas portas do Grupo Espírita Pedro, onde fui acolhido, tratado e isso me permitiu a volta às lides do Espiritismo. Tomei contato com o legado de Peixotinho e experimentei novamente o Espiritismo como Ciência especializada e o amor ao próximo, na prática.

Sempre fui um leitor voraz: Filosofia Clássica, Matemática, Física, Biologia e Literatura sempre foram meus temas prediletos. Mas, além da obra de Allan Kardec, pouco havia lido até aquele momento no que diz respeito à Doutrina Espírita. E foi no Irmão Pedro que comecei a ler romances como “Paulo e Estevão” e afins. Sempre tive o devido respeito pela licença poética do romancista espiritual e de igual forma tentei separar das narrativas da ficção como do romance, dos princípios espíritas, me entretendo com a leitura e coletando dela o ensino moral que tais livros me ofereciam.

Em 2009, infartei e passei 17 longos dias na UTI do Hospital Universitário de Cuiabá, onde até morri e fui ressuscitado pelas mãos competentes da turma de Hemodinâmica da Universidade. Ali, na solidão do leito recebi a visita de um velho amigo espiritual que me trouxe uma notícia – suspensão da mediunidade por tempo indeterminado – e uma bela despedida por havermos concluído nossa missão, juntos.

De lá para cá a mediunidade se foi. A vidência, o desdobramento, a psicografia e a psicofonia se foram e ainda não voltaram. Estou aguardando a volta delas ou de outra prática mediúnica. Ocorre que isso impactou em minha vida de forma brutal. Sem ver os Espíritos comecei a temer a comunicação mediúnica e a produção de efeitos físicos, como a cura, diante da possibilidade de fraude, do animismo, da enganação pela obsessão, pois não possuía mais a certeza de haver na comunicação, por meio de outro médium, a seriedade tão importante nas lides espíritas. Eu não via mais o Espírito comunicante ou em ação física!

As mensagens recebidas ao meu lado, não me garantiam que havia sido um Espírito sério ou um brincalhão. Isso me consumiu fortemente, pois a racionalidade vem antes de tudo em minha forma de pensar e agir. Sem poder ter a certeza de que estava diante do Espírito (evocado ou espontaneamente comunicante, na sessão mediúnica), sem o ver, para saber se que quem dizia era realmente quem ali estava, criou em minha pessoa a plausível desconfiança. Isso me afastou das casas espíritas, pois não sou do tipo igrejeiro da fé cega – místico. Afinal, como todo cientista, crer, sem provar pela razão, é heresia.

Ao mesmo tempo que estavam suspensas minhas formas de mediunidade, a minha cabeça, a forma de pensar e reagir não se alteraram. Até escrevi um livro filosofando sobre o cotidiano atual no meio espírita. Porém, tal fato tem me colocado diante de uma realidade que não me apetece. Sem querer ofender ninguém, vejo o Espiritismo como uma completa Filosofia Espiritualista, capaz de perpassar todas as religiões, sem se tornar uma. A vejo, também, como um novel ramo da Ciência, onde os métodos da velha ciência não dão conta de alcançar resultados satisfatórios, o que implica em desbravar fronteiras científicas que só a prática mediúnica é capaz de fazer avançar. Isso infelizmente sumiu nos templos de pedra que os centros espíritas se tornaram, a meu ver.

Vendo, assim, o Espiritismo, ao mesmo tempo sem os dons que possuía, me sinto incapaz de professar (no sentido do ensino-aprendizagem) e de combater aquilo que, em minha ótica, faz mal ao Espiritismo. Quais sejam: aceitar o materialismo como de pacífica convivência com a Doutrina, a mistificação, a mitificação e o cunho religioso dogmático, que em seu seio cresce, a olhos vistos. É santificação de pessoas, ritos, lugares sagrados, novas formas de atuação dos vendilhões do templo (muitas vezes digitais), turismo religioso, infindáveis estudos sem a contrapartida prática e o desapego aos ensinos de Jesus de Nazaré e suas máximas morais que deveriam transformar o indivíduo, no varejo e não na massificação, no atacado.

Perdi! Me recuso a brigar, a atrapalhar os cultos religiosos que se estabeleceram nas casas espíritas. Sou soldado e não quero a guerra! Mas, como sempre fui professor, me recuso a debater sobre o óbvio, sobre princípios que embasam a Doutrina dos Espíritos. Se meu interlocutor não os conhece, então nada há para ser debatido.

Deixo para a próxima leva de espíritas a tarefa de colocar o Espiritismo em seu lugar de destaque e de ação. Não me permito participar dessa religião brasileira. Como sei que errar é parte do caminhar em direção à sabedoria, deixo o tempo julgar se tal atitude é certa ou errada. Vou escrever em primeira pessoa, deixando o pensamento livre, calçado nas obras de Kardec, e quem sabe, por tal meio de comunicação encontre por aí outras pessoas com a mesma atitude e juntos arregaçaremos às mangas para agir nos moldes do Codificador, com a devida atualização que o tempo exige.

Enfim, joguei a toalha!

Nota do ECK: Artigo originalmente publicado na Revista Eletrônica “O Consolador”, Ano 19, Número 927.

Imagem de Lukas_Rychvalsky por Pixabay 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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