Editorial: sem medo de pensar!, por Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos

Tempo de leitura: 5 minutos

Por Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos

Um artigo recente publicado no portal do Coletivo ECK [1] — de autoria do professor Ryan Leack — traz uma profunda abordagem comparativa sobre o ato de pensar diante dos avanços da chamada inteligência artificial. O texto revisita referências de Platão e Aristóteles, com profundas reflexões sobre o pensamento, os saberes e a imaginação. Chega, o autor, à conclusão de que não existe nada parecido com a inteligência humana, ou como diz a resposta do próprio ChatGPT a uma indagação do mesmo: “Tudo o que ‘faço’ é baseado em padrões aprendidos a partir de enormes quantidades de texto e um conjunto de regras e probabilidades. Posso ‘simular’ certos aspectos do pensamento, mas não penso ou compreendo verdadeiramente no sentido humano”.

Em termos de arrojo na abordagem e no diálogo (social), com variados temas e assuntos que se entrelaçam na sociedade contemporânea, o Coletivo ECK tem oferecido provas indeléveis sobre sua capacidade de manter um padrão intelectual elevado e original, por meio de linha editorial mantida a partir de seleção rigorosa de textos e autores que expressam uma vitalidade inesgotável.

Na Revista Harmonia, este padrão se mantém. Todos os meses, a publicação traz um arcabouço de saberes para leitura, utilização como referência e aprofundamento de pesquisas sobre temas que, segundo costumamos afirmar, permitem trazer o norte do Espiritismo, sobretudo com conexões surpreendentes e abordagens originais. A sociedade vive, o Espiritismo vive! É infindável o número de formas de interação entre os assuntos — às vezes com delicado padrão, outras vezes como recortes também únicos, inéditos e, por consequência, bastante relevantes.

Nesta edição de agosto, os temas seguem sendo diversos mas, nem por isso excludentes. Preconceitos e violência contra a mulher e seus direitos, determinismo, educação espírita, mediunidade em jovens, impossibilidade de ser ex-espírita, religiões e sua ascendência sobre as multidões, movimento espírita e até bruxas e feitiçaria. Nada escapa do “pensar editorial” da Revista Harmonia.

Dessa forma, para a presente edição, novamente, não existem assuntos proibidos nem proscritos, a saber:

Nossa edição começa com o instrutivo texto de Jon Aizpúrua, O Espiritismo e os direitos da mulher. Em dois idiomas — português e espanhol —, o texto toca em um tema sensível nos tempos atuais: a discriminação contra as mulheres que, na maioria das vezes, deriva em assédios, morte e violência desmedida. Aizpúrua, com as luzes do Espiritismo e da História, revela a origem social dessa situação — que deriva da ação humana e não é, jamais, “um plano divino”. O autor faz uma homenagem à ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2023, Narges Mohammadi, ativista pelos direitos humanos das mulheres, encarcerada em uma das prisões mais desumanas do Irã, simbolizando a luta das mulheres e dos homens contra mais esta situação hedionda.

Também como resultado deste ambiente desumanizado, surge o apagamento seletivo da mulher ao longo dos séculos, que continua, insistentemente, a reverberar no seio da sociedade: a brutalidade, a dominação, a misoginia ainda move as almas que encontram-se masculinas em detrimento das femininas. E, aqui, nessa “terra brasilis”, onde verte leite e tudo se dá, continua o processo de apagamento e serventia — quando não brutalidade e mortandade — perante o divino feminino, alma mater da raça que se diz humana, são tempos de ponderação, qual caminho a humanidade deverá seguir? O texto de Maria Cristina Rivé, É preciso ver o outro lado, nos fornece os subsídios necessários para repensarmos que Humanidade somos (ou que estamos, coletivamente, construindo).

Mas, muitos podem cogitar: será que a dor e o sofrimento em relação a tudo que ocorre estão inseridos em algo “já escrito”, ou acontecem mesmo pela “vontade” de Deus? No esclarecedor texto Os (muitos) determinismos espíritas, Marcelo Henrique, com maestria, parte de um ensinamento materno para nos trazer uma explicação basilar sobre o tema, que perpassa o entendimento aprofundado da Doutrina dos Espíritos e das Leis Divinas. O autor desnuda as influências do chamado espiritismo cristão evangélico na prática religiosa brasileira, que utiliza crendices que mais confundem do que esclarecem.

Em A Educação, sendo o entendimento espírita, Ronel Barbosa fala da potência da educação espírita, contra tudo o que prega o materialismo. Para o autor, a maior conquista do estudo espírita é a sabedoria que isso trará — seja com Kardec ou Jesus —, quando teremos a força necessária a partir da mais tenra idade: a sua verdadeira gênese do ser integral. Diz o autor: “Compete à educação espírita a arte de fazer eclodir neles os germes da virtude, abafando os vícios, pois já sabemos que toda criança que chega ao nosso convívio familiar é um Espírito que retorna para uma nova etapa reencarnatória progressiva, com seu acervo e sua programação”.

Ainda falando em crianças e jovens, João Afonso G. Filho, no texto A Mediunidade em Crianças e Jovens e o Mito da Proibição, desmistifica a abordagem da mediunidade para infantes e adolescentes nas instituições espíritas, ao tratar um tema de tamanha importância. Sem apologias, o autor parte de sua própria história — quando, ainda criança, nunca foi proibido de frequentar uma reunião mediúnica. Ele é cirúrgico na sua abordagem: “é possível respeitar o desenvolvimento espiritual das novas gerações, acolhendo com responsabilidade os pequenos médiuns que reencarnam com propósitos definidos na seara do bem”.

Existem ex-espíritas? É isso que Cláudio Bueno da Silva tenta responder no texto Deixar de ser espírita. Para o autor, é irônico alguém falar que deixou de ser espírita, considerando a forma como é introjetada a doutrina nos indivíduos. Para Bueno, quando estudada com disciplina e interesse, a doutrina alcança a profundidade do ser. Tem-se, aí, um texto que revela, de forma salutar, como o Espiritismo deve ser percebido: “As convicções vão sendo construídas com o auxílio do raciocínio, da lógica e do bom senso e, depois das dúvidas e questionamentos iniciais, o estudioso do Espiritismo vê depositado o conhecimento na própria consciência”, diz o autor.

Tempos estranhos, templos estranhos, ambientes tóxicos, palavras ao vento, objetivos subjetivos, ensinamentos vazios, carência intelectual: o meio espírita está carente, estagnado, perdido em sentenças vazias de amor, fraternidade e caridade; a fé raciocinada, tão cara ao Espiritismo, não tem espaço entre as linhas de um artigo ou em um “púlpito”: a transcendência tornou-se materialista, como um processo obsessivo, ácido, que corrói sistematicamente os fundamentos doutrinários. Diante desta diagnose, que expressa o que estamos, francamente, vendo, há esperança? Talvez… Quem sabe se, nessa andança desordenada, pudemos nos reencontrar com o Espírito dos Espíritos e do próprio ser, isto é, a nossa essência, a nossa individualidade real. Essa é a tônica de  Tempos e Templos: entre a lucidez dos mestres e a histeria das multidões, de Wilson Custódio Filho, uma apurada análise clínica do atual momento espírita.

E o movimento espírita? Wilson Garcia, em O movimento espírita mundial é hoje mais amplo e complexo, mas não é um mundo caótico de uma doutrina despedaçada”, apresenta um bucólico texto onde enaltece os fundamentos do Espiritismo frente às possíveis distorções provocadas pelo chamado avanço das ciências. Na verdade, Garcia adverte acerca da presença de uma ótica míope, que não condiz com o pensamento kardeciano, nem com os pressupostos filosóficos e científicos da doutrina, consistindo em ledo engano por parte daqueles que se apegam-se literalmente à letra, e não ao espírito.

Encerrando a presente edição, o artigo Análises da feitiçaria e da bruxaria a partir do Espiritismo e da Antropologia de Evans-Pritchard, de Leonardo Paixão, nos brinda com a visão antropológica do místico e mágico entendimento acerca de bruxaria e feitiçaria perante os fundamentos do Espiritismo e abordando os paradigmas de interpretação da realidade.   

Essa é, então, a nossa edição de agosto da Revista Harmonia, que contempla a coragem humana de pensar, sem medo do contraditório, de provocações e dos paradoxos que possam surgir. 

Na verdade é isso que temos buscado a cada número, como publicação.

Boa leitura!

Nota:

[1] “A IA pensa, ou deveria pensar? Saiba o que significa “pensar”, de Platão ao ChatGPT”, de autoria de Ryan Leack. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/a-ia-pensa-ou-deveria-pensar-saiba-o-que-significa-pensar-de-platao-ao-chatgpt/>

Imagem de DAMIAN NIOLET por Pixabay.png

 


Edição: Agosto de 2025

Editorial: sem medo de pensar!, por Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos

O Espiritismo e os direitos da mulher, por Jon Aizpúrua (Português e Espanhol)

É preciso ver o outro lado, por Maria Cristina Rivé

Os (muitos) determinismos espíritas, por Marcelo Henrique

A Educação, sendo o entendimento espírita, por Ronel Barbosa

A Mediunidade em Crianças e Jovens e o Mito da Proibição, por João Afonso G. Filho

Deixar de ser espírita, por Cláudio Bueno da Silva

Tempos e Templos: entre a lucidez dos mestres e a histeria das multidões, por Wilson Custódio Filho

O movimento espírita mundial é hoje mais amplo e complexo, mas não é um mundo caótico de uma doutrina despedaçada, por Wilson Garcia

Análises da feitiçaria e da bruxaria a partir do Espiritismo e da Antropologia de Evans-Pritchard, por Leonardo Paixão

 

 

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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