É preciso ver o outro lado, por Maria Cristina Rivé

Tempo de leitura: 3 minutos

Maria Cristina Rivé

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Somos mulheres marcadas no íntimo e na integridade física. Precisamos aprender a nos defender e a nos consolar. Cumpre a nós sobrevivermos, a cada dia e deixando à nova geração o compromisso de dar um passo à frente…

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O mundo anda meio engraçado… Ou sempre foi e eu não sabia. Talvez porque as redes sociais estejam aí e nos mostrem evidências inimagináveis. Sempre acreditamos que a vida é malvada para conosco e para os outros tudo é tranquilidade. Mas, não o é.

Desde os primórdios, encaramos a humilhação, o desprezo e o silêncio. O silêncio que fala ou o que necessita falar… Entretanto, o patriarcado não deixa! Diz Michelle Perrot em seu livro, “As Mulheres ou os Silêncios da História”: “No início era o Verbo, mas o Verbo era Deus, e Homem. O silêncio é o comum das mulheres. Ele convém à sua posição secundária e subordinada. […] O silêncio é um mandamento reiterado através dos séculos pelas religiões, pelos sistemas políticos e pelos manuais de comportamento”. 

É o apagamento do feminino no curso da história.

Por que, então, nos deixamos apagar? Ora, não deixamos! Somos obrigadas a emudecer, sofrer em silêncio, aceitar o “anormal”, vivendo à sombra daquilo que realmente somos. Em todos os tempos, a marca feminina estava lá. Qual o motivo, então, para não nos deixarem viver em plenitude? Talvez pelo receio de descobrir que somos muito maiores do que quem nos força a calar.

A guerra estridente contra as mulheres perpassa o tempo… Foram as religiões, as culturas, os empregos. As das classes sociais mais elevadas também são vítimas tanto quanto as das classes mais baixas.

O mundo segue em uma fase difícil. E as mulheres seguem na berlinda. Quando uma Ministra vai ao Congresso Nacional e é menosprezada por um grupo de ignorantes votados pelos “ignorantes políticos”, tem-se a situação de uma pessoa que busca, a cada dia, vencer as dificuldades impostas por essa sociedade doente. Mas que se depara com injúrias, com discursos vazios e com argumentos rasos, como o de invocar, pelas palavras vãs, o nome de deus. Ora, o deus deles é tão misógino e excludente…

O Brasil segue sendo um dos expoentes mais destacados em feminicídios: em cada vinte e quatro horas, quatro mulheres é morta. São maridos, namorados, irmãos, vizinhos. Sempre um homem (sem H), todos doentes. Uns se defendem porque dizem ser autistas, outros porque fazem tratamento psiquiátrico, porque, porque, porque… E nós, mulheres, continuamos reféns de monstros travestidos de criaturas. Sim, monstros, porque uma pessoa humana não poderia ter atitudes assim.

A Humanidade é desumana ou está desumana? Não sei, sei o que vejo e o que vivo. Crueldades! São crianças, são mulheres, que acordam sem saber se chegarão ao final do dia. Na fila do mercado, no trânsito, no trabalho e, o pior, na própria casa – que deveria ser o lugar de tranquilidade e afeto, onde cresceriam nossas filhas e nossos filhos – são lugares de luta invisível. Mais ainda no recôndito do lar, porque o medo espreita, na intimidade do casal onde a luta emerge. 

Não temos donos, temos vida. E muitas de nós, silenciadas, mas no compasso de “ganhar a vida e trazer o pão”, nos embrenhamos na luta renhida do dia a dia sem a certeza da paz, nem para voltar, nem para chegar à nossa morada.

Somos mulheres marcadas no íntimo e na integridade física. Tiros e socos nos calam, demonstrando o descaso da sociedade e a falta de políticas públicas que nos socorram. A desumanização é um projeto de poder que atravessa a história: sobre nossos corpos e nossas mentes, na tentativa de disciplinar e isolar para, assim, melhor dominar. O “mais viril”, o “macho alfa” sempre está a debochar das que mulheres. Precisamos aprender a nos defender e a nos consolar. Quantas sofreram caladas para estarmos aqui, quanto crochê foi tecido no medo da fome de vida e no silêncio das dores, mas a descendência resiste e tece. Tece a vida, tece a força e luta pelo tempo em que o domínio pela força não mais existirá. Não precisamos saber o outro lado da história, pois ele é frágil e medíocre. Ao contrário, cumpre a nós sobrevivermos, a cada dia e deixando à nova geração o compromisso de dar um passo à frente…

Imagem de Bianca Blauth por Pixabay

 


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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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