E aí, o que queremos com a IA no movimento espírita?, por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Tempo de leitura: 4 minutos

Marcus Vinicius de Azevedo Braga

A ideia de Inteligência Artificial-IA remonta a décadas, mas com a popularização de aplicativos, como o ChatGpt, houve um crescimento desse debate, demarcando a inserção desse tema na sociedade. Para atestar isso, basta verificar diariamente as páginas de periódicos na internet, para ver como o tema permeia praticamente tudo atualmente, com muita coisa se autobatizando de IA, apenas com fins publicitários.

A conceituação de inteligência artificial, conforme disponível no sítio da IBM – clique aqui -, é que Inteligência artificial, ou IA, é uma tecnologia que permite que computadores e máquinas simulem a capacidade de resolução de problemas e a inteligência humana.

Presente nos aplicativos mais utilizados, a IA como instrumento tem limites, precisa ser “treinada” e necessita de bases de dados robustas para a melhor qualidade dos seus produtos derivados, se prestando muito bem a realização de tarefas rotineiras, formatações, articulações de grandes massas de informações, mas se afigura como uma zona fronteiriça e ainda pouco explorado, com muitas incertezas ainda de suas possibilidades, mas com prenúncios de mudanças no modo de viver.

Como tudo que entra dessa forma, transversalmente na vida social, é mitificado e superestimado, servindo de mecanismo publicitário para vender ou encarecer coisas, mas esse cenário momentâneo não inibe o potencial da revolução social em curso propiciada pela IA afetando aspectos econômicos, sociais, da vida do trabalho e da prática da espiritualidade.

No movimento espírita já temos livros ilustrados por IA, pessoas montando suas palestras e aulas de evangelização com essas ferramentas, e textos de periódicos construídos dessa maneira, além de uso no apoio a atividades administrativas. Mas isso é só o começo.

No mundo do cuidado pelo mundo, consultas médicas e psicológicas são conduzidas por mecanismos baseados em IA, e a gestão na relação com clientes e partes interessadas já faz suas interações toda nessas plataformas, sendo difícil recorrer a um atendente humano para resolver um problema cotidiano. Um mundo novo, fascinante e assustador.

Entre uma agitação muito grande mesclada a um receio, tem-se ao final uma utilização massiva, as vezes sem nem saber direito, em um cenário que remete a reflexões, em especial no âmbito da visão espírita e da condução de nossas atividades.

A primeira questão é de que com o avanço da IA, teremos mais tempo livre (o que pode se traduzir em desemprego e reformulação de relações de trabalho), e tenderemos a “pasteurização” de procedimentos, agora rotinizados e delegados, o que pode nos fazer em alguma medida mais preguiçosos para fazer coisas mais elaboradas, frente a comodidade de se usar uma IA.

Com isso, a impessoalidade, que já reina nas relações mediadas pelas redes sociais, vai assumir outras proporções e o contato humanizado será mais restrito, diminuindo a empatia, o diálogo e a qualidade das relações.

Sem ter medo de uma tomada de poder pela IA, como preconiza a ficção científica, o receio é de outra natureza, assustando a deterioração da convivência, o que agudiza o egoísmo, a truculência e valoriza o acessório em termos de evolução espiritual.

Esse debate, para além da superficialidade do sou contra ou a favor, bate na porta do movimento espírita na tentação de restringir e pasteurizar nossas atividades, por essa delegação que nos afasta da interação humana no espaço de convivência que é a casa espírita, seja no assistencial, no doutrinário ou no mediúnico, em especial em um mundo pós covid no qual nos acostumamos a interação virtual com a casa espírita.

Isso é ruim? Não, mas tem consequências que precisam ser conhecidas e sopesadas. Atendimento fraterno, a reflexão na construção de uma palestra ou um artigo, a beleza de atividades interativas, as canções que vem com a inspiração, esse fazer artesanal e suas virtudes pode ser engolida por uma produção em série de produtos consumidos vorazmente e de forma superficial.

O Espiritismo é algo vivencial, qualitativo, e não se restringe a volumes e quantidades, e a praticidade da IA, desejável para várias coisas, pode ter efeitos na essência do movimento como um espaço de interação humana, tirando a nossa atenção da reflexão para a informação em profusão.

Da mesma forma, por ser um organizador de conhecimento disponível, a IA tem vieses, tem lógicas que podem confrontar com o espírito da doutrina, em especial por se servir do universo da internet, e por vezes não ter a visão crítica de fontes, na busca de ser plural, sem diferenciar as informações por bases evidenciais ou inconsistências.

A produção de vídeos falsos e convincentes torna a busca da verdade mais complexa, com uma enxurrada de notícias inverídicas e isso pode afetar nossos textos e produtores de conteúdo, podendo ser a IA um instrumento de desinformação, recheada de bençãos de mensagens mediúnicas para atribuir aquele conteúdo credibilidade.

Ainda que no Espiritismo importe mais a mensagem do que a fonte ou o medianeiro, essa mesma visão nos inspira a analisar com cuidado a produções de derivadas de IA, para que os vieses sejam percebidos e discutidos, fugindo do endeusamento de conteúdos oriundos de IA, como fazermos, por vezes, diverso da lógica kardequiana, com médiuns.

Assim, ideias estranhas e embaladas de forma acrítica, muitas absurdas, podem tornar mais superficial o debate espírita, fazendo-o conteudista, polarizado, mas ao mesmo tempo com uma roupagem inovadora, para atender ao fetiche mercadológico de dizer que está usando ali a IA, como um símbolo de modernidade.

A doutrina espírita dialoga com a ciência, com a tecnologia e com a inovação. É do seu DNA esse acompanhar as coisas novas que surgem, e essa é uma de suas forças, o que não significa absorver toda novidade sem contextualizar esta com a realidade e seus pressupostos, em especial a IA, que apesar do caráter instrumental, afeta a essência das coisas, longe de ser algo neutro.

A revolução da IA é inexorável, como foi a da televisão, da internet, do vapor, da eletricidade e tantas outras que modificaram o nosso modo de vida e a nossa forma de vivenciar a doutrina espírita, gerando possibilidades e ganhos. Mas, também essas revoluções tiveram suas consequências que nos conduziram a reflexões, e passaram pela superficialização do debate e pelo abandono de práticas. A Revolução da IA também terá consequências na nossa forma de sermos espíritas.

Kardec, se encarnado, seria um entusiasta dessa novidade, mas com cautela, atento a superestimativas e ilusões, algumas com claros fins comerciais, e que santificam a novidade, no mito tecnológico que esquece que o mundo é uma soma de novidades de cada época, que ajudaram a construir o mosaico atual, permanecendo o que é bom.

Imagem de Robert Harker por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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One thought on “E aí, o que queremos com a IA no movimento espírita?, por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

  1. Ótimas considerações para esclarecimentos básicos sobre os impactos da IA no contexto da doutrina espírita. Será de grande interesse, promover mais artigos, palestras, vídeos a respeito. Acredito que para muitos espírita é algo muito novo e pode provocar medo, insegurança, descrença para muitos. Agradeço a contribuição.