O cansaço do mundo e a ditadura do brilho

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Oliver Harden

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As pessoas, cercadas de luzes, câmeras e encenações, já não sabem distinguir o que é autêntico do que é encenado, e talvez nem queiram. É mais fácil consumir o brilho do que suportar a densidade do real.
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Há um cansaço que não se localiza nos músculos nem nas pálpebras, mas na alma, um cansaço viscoso que se infiltra nos gestos, nas palavras e no olhar. É o cansaço de viver num planeta que trocou a realidade pelo cenário, a verdade pela encenação, a profundidade pelo reflexo. Não é o desgaste natural que vem com o tempo e o trabalho, mas o esgotamento produzido pela convivência diária com a artificialidade gritante, um ruído constante, feito de sorrisos falsos, opiniões programadas e entusiasmos comprados.

O mundo contemporâneo tornou-se uma feira universal onde o que se vende não são produtos, mas versões editadas da vida. Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo, já antevia este estado de coisas, um mundo em que o real é substituído por sua representação, e onde cada representação vale mais que o fato que a originou. Baudrillard aprofundou a ferida, mostrando que, quando a simulação se torna mais sedutora que a própria realidade, o simulacro não apenas encobre o real, mas o substitui por completo, e assim nos encontramos cercados por signos que não remetem a nada além de outros signos, um labirinto sem centro.

A pressão, nesse cenário, é implacável. Somos impelidos a converter lixo em luxo, a disfarçar a pobreza de ideias com o ouro falso da aparência. O mercado cultural e simbólico exige que o vazio seja embalado como se fosse promessa, que a superfície brilhe o suficiente para cegar a percepção da ausência de conteúdo. É o que Byung-Chul Han chamaria de “sociedade do cansaço”, não apenas pela sobrecarga de estímulos e exigências, mas porque o sujeito é coagido a participar de sua própria espetacularização, como se a sua existência só tivesse validade se projetada, consumida e aprovada por olhares externos.

O luxo, aqui, não é uma questão de qualidade ou raridade, mas de consenso fabricado. Uma peça de plástico, se carregada pela pessoa certa e exposta no contexto certo, transforma-se em “objeto de desejo”. O lixo se torna luxo não porque a matéria se altere, mas porque a narrativa que o envolve foi habilmente construída para manipular nossa percepção. Essa inversão de valores é corrosiva, pois desloca o eixo da vida da experiência para a exibição, da essência para a embalagem.

O humano, nesse panorama, já não é um ser em busca de sentido, mas um curador da própria imagem, um editor obsessivo da própria vitrine. Tudo é calculado, a luz, a sombra, o ângulo, a legenda. Não se vive para viver, mas para registrar que se viveu. E essa transformação não é inocente. Ela impõe uma forma específica de existência, aquela que vale apenas enquanto é observada, medida em curtidas, compartilhamentos ou reações. O eu deixa de ser uma presença para se tornar uma mercadoria, e a subjetividade, em vez de abrigar mistério, se converte em catálogo.

O resultado é um mundo saturado de promessas visuais e órfão de substância. A beleza se torna um ornamento desprovido de raiz, e a verdade, quando ainda aparece, é desconfortável, inconveniente, quase indesejada. As pessoas, cercadas de luzes, câmeras e encenações, já não sabem distinguir o que é autêntico do que é encenado, e talvez nem queiram. É mais fácil consumir o brilho do que suportar a densidade do real.

E assim seguimos, dentro de um imenso teatro de papelão, onde o aplauso é dado ao ator mais convincente, mesmo que o enredo seja vazio. O luxo é falso, mas o desejo é real, o lixo é disfarçado, mas a crença é sincera. A vida torna-se, então, um espetáculo cuja bilheteria nunca fecha, mas cuja peça, repetida à exaustão, já não emociona ninguém, a não ser aqueles que, cansados demais para pensar, se contentam com a cintilação das fachadas.

Imagem de Bogdan Radu por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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