Por Manoel Fernandes Neto
Inserido nas ações de aniversário de 80 anos de Raul Seixas, comemorado neste ano de 2025, a Globoplay e a produtora O2 Filmes trazem a excelente série “Raul Seixas: Eu Sou”. São 8 episódios que revivem em detalhes a carreira do nosso “carpinteiro do universo”, a partir de sua atuação como produtor até a sua consagração como o astro que influenciou várias gerações.
Passando por várias fases da vida do músico, entre criações e parcerias, a cinebiografia — uma criação de Paulo Morelli, que também a dirige com seu filho, Pedro — surpreende pelo seu dinamismo, criatividade e nostalgia resgatada. A produção é indicada para todas as idades e públicos, mas, principalmente, para quem descobriu o artista nos anos 1980, 1990 e 2000, quando suas canções viraram hinos da contracultura e não tínhamos medo de afirmar: “Raulzito vive em mim”.
“Raul Seixas: Eu Sou” ganha credibilidade a partir da utilização de farto, variado e conhecido material de referência: o “Baú do Raul”; a iconografia teve o acesso autorizado por uma de suas esposas, Kika Seixas, também retratada na série. Ela colocou à disposição da produção um leque de objetos pessoais, escritos originais, fotografias, além de detalhes da personalidade e da jornada de vida do artista, o que ofereceu um apoio inestimável para a construção tanto da narrativa da obra quanto de diversos personagens. O resultado é surpreendente!
Todo esse esmero de produção faz a série emocionar, desde suas primeiras imagens, quando encontramos um “Raul Santos Seixas” bem-comportado, produtor musical da Gravadora CBS, trabalhando diversos projetos musicais, mas com a determinação de seguir carreira própria. Vemos também sua paixão pela música, seu compromisso e conexão com suas origens, família e local de nascimento — Salvador, Bahia. Fica claro que Raul tem um compromisso com “o rock e com o baião”, praticamente o mote da série que, se não nos surpreende, nos encanta.
Paradoxos e talentos
Para quem é fã de Raul, é com satisfação que assistimos, talvez, ao que já sabemos, mas colocado sob o prisma de ótimas interpretações de atores e atrizes, o que torna a série e a vida do “maluco beleza” ainda mais compreensíveis. Isso possibilita entender seus paradoxos, seu talento e sua determinação em alcançar o sucesso; e, acima de tudo, de divulgar suas convicções e a mensagem poética: ora mística, ora amorosa; ora cotidiana, ora misteriosa.
No âmbito transcendental e astrológico, não surpreende o espaço no roteiro que tem Paulo Coelho, um dos seus principais parceiros. Pudera, o escritor dividiu a criação de mais de 30 canções, entre 1973 e 1978. Mas a parceria vai além: tem a ver com energia mística e muitas vivências esotéricas em comum — transes astrais e psicodélicos. Impossível não nos identificarmos com as amizades que surgem nas nossas vidas; aquelas que unem, não necessariamente pessoas semelhantes, mas que se completam até determinado ponto, para depois se afastarem por conta de algum conflito de caminhada.
Mas, enquanto esteve junto com “Paulete”, como ele chamava Coelho, é muito prazeroso assistir “em carne e osso” à dramatização de como foram criadas diversas canções que fizeram parte da história de tantos admiradores. Aliás, alguns títulos dos episódios são nomes das próprias músicas. A série — como a vida de Raul Seixas — é feita de poesias e sons arrebatadores que muitas vezes nos impulsionam, com emoções contidas, a despertar aquilo que deixamos pelo caminho do tempo, dos templos, dos rituais — mas também das descrenças e das decepções. Além de Paulo Coelho, foram parceiros do artista, Cláudio Roberto, Marcelo Nova e as próprias esposas.
Autenticidade
“Raul Seixas: Eu Sou” também viaja por sonhos e pelo realismo fantástico — como deveria ser. Não vemos somente o delírio do aplauso de festivais e shows no início da carreira de Raul Seixas, mas também no final dela, quando o público não o reconheceu, em uma apresentação em Caieiras, em São Paulo. Não vemos somente os três casamentos, mas as dezenas de paixões que ele despertava. Não vemos somente sua coragem em revelar a “sociedade alternativa”, mas explicá-la em um interrogatório no DOPS sobre o que ela não significava. Não vemos somente o auge de uma lenda, mas sua decadência, as novas oportunidades, o surgimento do “Carimbador Maluco”, em um especial infantil da Rede Globo, do qual ele participou para poder se reerguer. Tudo é mostrado de forma autêntica, sem julgamentos, o que permite amarmos ainda mais Raul — ou sua forma mais carinhosa: “Raulzito beleza”.
Raulzito, Raulzito: eterno, com suas dualidades e personalidades, suas excentricidades e excessos…
Cada episódio da série “Raul Seixas: Eu Sou” pode ser assistido — e sentido — como um retrato original de quem foi a “metamorfose ambulante”, redescobrindo o retrato de um grande artista de forma racional e com um certo distanciamento. Pode também ser assistido como quem procura algo dentro de si mesmo, sob os entulhos de um mundo atual desprovido de heróis utópicos — todos soterrados com crueldade e resignação.
De alguma forma, é essa a esperança de cada um de nós — fãs apaixonados — diante da TV: perceber um suspiro de emoção daquilo que ainda está vivo dentro de nós.
Na foto Divulgação/Globoplay: cena da serie “Raul Seixas: Eu Sou”, em cartaz no Globoplay – Divulgação/Globoplay
Serviço
Raul Seixas: Eu Sou: saiba mais!
Produção: Globoplay e 02 Filmes
Autor: Paulo Morelli
Direção: Paulo Morelli, Pedro Morelli
Elenco: Ravel Andrade, João Pedro Zappa, João Vitor Silva, Amanda Grimaldi, Julia Stockler, Chandelly Braz, Júlio Andrade, Cyria Coentro