O meio espírita e a COP30: Espiritismo e Sustentabilidade – e o porquê dos espíritas, por vezes, agirem como avestruzes

Tempo de leitura: 9 minutos

Marcelo Henrique e Marcus Braga

  1. De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?

“Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontra seu verdadeiro interesse. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem compreenderá melhor que ele pode assegurar seu futuro pelo presente. Destruindo os preconceitos de seitas, de castas e de cores, o Espiritismo ensina aos homens a grande solidariedade que deve uni-los como irmãos.”

Kardec, “Influência do Espiritismo no Progresso”. [1]

Premissa

O Espírito, enquanto encarnado, vive uma vida material-espiritual. Necessita dos elementos físico-biológico-naturais para sua mantença (vida com qualidade). Pela Lei de Conservação, inserta na terceira parte de “O livro dos Espíritos”, é corresponsável pela vida planetária. Deve, assim, manifestar sua preocupação com a preservação ambiental e envidar todos os esforços pessoais, na simplicidade da sua rotina existencial, para contribuir com a manutenção e melhoria das condições existencias, sua, de seus próximos e da Humanidade como um todo.

Introdução: um voo de cruzeiro sobre o meio espírita, diante da COP30

A COP30 – que ocorre(u) no Brasil entre 10 e 21 de novembro de 2025, na cidade de Belém (PA) no norte brasileiro – se refere à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), consistindo em um encontro global, de periodicidade anual, que reúne líderes governamentais mundiais, cientistas, organizações não-governamentais, além de representantes da sociedade civil, para a discussão de ações efetivas voltadas a combater as mudanças do clima e os efeitos danosos para a vida humana sobre o orbe [2].

A partir da premissa kardeciana (também expressa na obra primeira [1], Itens 702 e 703) de que todos os seres vivos possuem o instinto de conservação, independente do grau de inteligência, devendo concorrer para o “cumprimento dos desígnios da Providência”, a partir da necessidade de viver, deve ser preocupação premente e permanente de todos os humanos a preservação ambiental, conservando, portanto, as condições para que a vida ocorra e se perpetue.

Belém (PA), 17/11/2025 – Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, durante cerimônia de assinatura de alto nível que marca a implementação concreta do anúncio político feito pelos Chefes de Estado durante a Cúpula de Líderes Mundiais na COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Obviamente, estamos falando de ações efetivas, que principiam nos mínimos gestos do cotidiano de cada indivíduo. E, em sendo espíritas, a partir do conhecimento decorrente da Filosofia Espírita – que bem explicita as relações entre os Espíritos e entre as contingências física e espiritual – a responsabilidade de coparticipação na conservação ambiental é marcante e inafastável.

Ora, ações principiam em pensamentos e são corroboradas por palavras (orais ou escritas). Em assim sendo, durante esses dias de novembro e em face da COP30, fizemos um pequeno exercício de observação: sobrevoamos portais e sites de pessoas, grupos e instituições espíritas, incluindo os “mais visitados” ou os “reconhecidos pela comunidade dos espíritas”, para constatar se, algum(ns) deles noticiou(aram) o evento ou publicaram alguma notícia, matéria, artigo ou reflexão, ainda que preliminar ou singela, sobre a Conferência e a importância do quinto maior país do planeta (em extensão geográfica, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados de área) e o sétimo em população (2,7% do contingente mundial, com 213,4 milhões de habitantes), em sediar o encontro.

Conclusão: nada! Nenhum! Ninguém! Não foi publicada uma linha sequer sobre a COP30 e a necessidade de conscientização dos espíritas acerca da preservação do orbe, diante das (permanentes e cada vez maiores) ameaças à sobrevivência humana, físico-material, em função das devastações, da poluição nos mais diferentes graus, níveis e segmentos, assim como diante dos desastres ambientais.

Registre-se, no entanto, que o Jornalista André Trigueiro – que também e espírita e tem grande papel divulgador nesse tema (inclusive no meio espírita), tem sido e se mantido como voz altiva, com brio e dignidade, na defesa desse ideal de sustentabilidade. Mas, o ponto em voga é a ausência da repercussão geral, como se não fosse assunto, notícia, ou tema de interesse, essa questão. Isso diz muito…

Com o que, então, nos preocupamos?

Há um comportamento usual dos espíritas, independente do segmento ou corrente a que se filiam e da visão (conservadora ou progressista) que possuam, na interpretação da Filosofia Espírita e sua aplicabilidade aos cotidianos (individual, familiar, e coletivo-social). A preocupação premente é com o porvir, o pós-vida física (ou pós morte), isto é, o chamado “destino” da alma após a desencarnação. Em outras palavras, por descortinar, o Espiritismo, aspectos relativos à verdadeira condição do Espírito no chamado “mundo dos Espíritos”, os adeptos espiritistas parecem viver mais neste último do que no próprio ambiente físico. E, por consequência, parecem querer “se livrar logo” da vestimenta carnal, para “gozar” das “benesses” da condição (liberta?) do ser desencarnado…

Renegando a máxima do viver no mundo sem ser do mundo, repousam seus olhos nas recompensas futuras, repetindo o idealismo filosófico de focar no além que tanto caracterizou a igreja na Idade Média, com as suas indulgências, e que não dialoga com a essência do pensamento espírita. Tomando a frase de Gilberto Gil na sua música Procissão [3]: “Eu também tô do lado de Jesus, só que acho que ele se esqueceu de dizer que na terra a gente tem de arranjar um jeitinho pra viver”.

Continuamos, assim, enquanto movimento organizado e/ou ideologia filosófico-religiosa, prescrevendo “normas de conduta” que buscam uma “reforma íntima” (conceito equivocado que se incrustou de tal forma na vivência espírita tradicional, correspondendo, talvez, a um fetiche, ainda que bem-intencionado, por vezes, mas que, quase sempre, se assemelha a um pássaro em uma gaiola – canta, observa a realidade a partir das grades, mas não reúne condições de voo).

Ainda que o termo seja enviesado e distorcido no sentido de preconizar o progresso (individual e, depois, coletivo), posto que a ideia kardeciana seja a de transformação moral (espiritual) e, jamais, “reforma”, por ser repetida à exaustão, torna-se nada mais do que um mantra, ou, se o quisermos, um projeto que nunca se realiza, uma boa intenção que morre na semente. E as justificativas (desculpismos) para que a “reforma” fique ainda na planta são muitas: as expiações, as provas, as dificuldades da vida material, a incompreensão dos pares, a condição planetária e, para que sejamos ainda mais críticos e pontuais, a pseudo-humildade (que declara, em alto e bom tom, que ainda somos “tão pequeninos”). Algo que soa, convenhamos, como um viralatismo humano-espiritual.

Assim, se pensa, invariavelmente, que: se não temos nem condições de cuidar do “quintal de nossas casas” ou da “entrada de nossos apartamentos”, como podemos cuidar da Natureza ou da Terra? Ora, vejam só!

Faz-se necessário resgatar no movimento espírita, em tempos de individualismo galopante, a questão da interdependência, a ideia mãe por traz do “fora da caridade não há salvação” – outra do evangelho espírita, no Item 10, do Capítulo XV [4] –, uma ideia de todos compormos uma rede que mutuamente se ajuda e se desenvolve, em uma ideia que traz a fraternidade universal para outro diedro.

Ainda que soe piegas, a “fábula do beija-flor”, de Wangari Maathai [5], nos parece ser adequada para simbolizar e, em essência, concretizar aquilo que deveria ser a motivação (íntima) para qualquer ação, por menor que fosse, nos contextos das ambiências em que nos encontramos: fazer o possível!

A COP30? Não, obrigado!

A frase acima, dura, ácida, mas necessária, parece fazer parte do pensamento (e da inação) de grande parte dos nossos convivas. Algo como: O que tenho, eu, a ver com isso? Se você não falou isso, talvez tenha pensado. Não sou líder governamental, cientista, membro de organização não-governamental, nem representante da sociedade civil! Logo, não estou “nem aí” com a COP30. Quem tem mandato ou delegação de competência, ou quem tem “maiores responsabilidades de gestão” que lá esteja e resolva o que for melhor para todos – inclusive para mim…

Não há qualquer intuito de generalização na expressão acima. Obviamente, se você chegou até esse ponto do artigo, deve nutrir preocupação em relação ao clima, ao meio ambiente, à preservação dos ecossistemas e às melhores condições de vida planetária para todos (incluindo você!). Não é? Assim eu desejo que seja… Então, vamos adiante!

Portanto, em decorrência do que antes afirmamos, de que, em relação à COP30 (e ao tema, em caráter mais amplo e global), os espíritas são silentes – porque não escrevem nem publicam a esse respeito. Como se fosse possível se desresponsabilizar dessas questões, fechando os olhos e os ouvidos (conforme Mt; 13:9 e 16 – no Cap. VI, Item 4, do evangelho espírita [4]) para a realidade climática que bate à nossa porta…

Ecologia, sustentabilidade, é interdependência, e não adianta pregarmos o amor ao próximo sem entender nosso papel nesse contexto. Então, o silêncio ensurdecedor sobre esse, e outros temas aliado ao destaque a outros, em uma análise de curadoria da imprensa espírita, revela um descolamento do social, da realidade humano-espiritual, pensando em um mundo (espiritual) que virá, como se a vida na Terra, hoje, não fosse importante. Não conhecemos interpretação mais errônea da ideia de reencarnação quanto essa.

São raros e descontinuados os esforços do segmento espírita no sentido de contribuir para a preservação/conservação da existência física dos seres (humanos e os demais) no planeta. Parece que não importam para os espíritas em geral questões como a depredação da Natureza, o aquecimento global, as catástrofes climáticas, entre outros. Realmente, com isso, parecemos passageiros em uma nave sem piloto!

Belém (PA), 17/11/2025 – Marcha Global dos Povos Indígenas – A Resposta Somos Nós, evento paralelo à COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Ora, considerados os fundamentos do Espiritismo é, sim, tarefa precípua e inafastável de TODOS os seres humanos, enquanto encarnados, de concorrerem ativamente para a manutenção da vida material – e, neste aspecto, não só reconhecer a importância das ações desenvolvidas por quem efetivamente se preocupa com isso, noticiando, palestrando, debatendo, sendo prospectivo no sentido de municiar os grupos/instituições espíritas para o debate acerca de tais temáticas, assim como empreender o próprio engajamento pessoal em atividades (locais, próximas de onde se resida/trabalhe) voltadas à conscientização ambiental.

O pouco que é muito!

Recordamo-nos do Magrão (Jesus de Nazaré) e de uma de suas parábolas [4], o “óbolo da viúva” (Mc; 12:41-44, e Lc; 21:1-4), descrito e comentado no evangelho espírita, no Capítulo XII, “Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita”, Itens 5-6, que, figurativamente, nos direciona para fazer o que é possível, dentro das condições existenciais pessoais dos seres que gravitam sobre esse orbe. Naturalmente, trata-se da coparticipação de cada um dos encarnados em “O Reino” (lembrando, aqui, a obra escrita por Herculano Pires [6], que remete ao termo cunhado pelo próprio Magrão, ao se referir à Terra como a materialização possível do Reino de Deus – onde, por extensão, a “vontade divina” se aplique e se efetive).

Ou, de outra sorte, em termos de noção sobre a “parte que me [nos] cabe deste latifúndio” [7], isto é, o compromisso pessoal de atuação NO mundo, vale também recordar de outra máxima do Magrão: “a cada um segundo suas obras” [8], associada, de fato, à perspectiva da extensão das ações humanas, dentro das possibilidades existenciais, que são distintas em função das contingências que compõem a vida de cada um (condições físicas, orgânicas, psíquicas, ético-morais e espirituais, também resultantes da esteira de progresso que as vivências sucessivas, reencarnatórias, nos propicia(ra)m em termos de aprendizado espiritual).

O que não podemos, mais, é continuarmos conformados com o jeito de ser dos espíritas, que se comportam, por vezes, como avestruzes. O comportamento usual de “dar de ombros” e de pensar/dizer “não, isso não é comigo”, associado à ideia canhestra de “somos tão pequeninos”, não condiz com a proposta espiritista de transformação individual e social da Humanidade, consubstanciada no adágio kardeciano: “reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar as suas más inclinações” (Kardec, “O evangelho segundo o Espiritismo”, Cap. XVII, Item 4, “Os bons espíritas”) [4]).

É preciso, pois, agir. E agir agora. E fazer o que seja possível, o que esteja ao alcance de nossos braços e mãos. Contribuir efetivamente para um planeta sustentável. Isto é aliar Espiritualidade e Sustentabilidade [9] – proposta permanente do Coletivo “Espiritismo COM Kardec – ECK”.

Onde estão, então, tais espíritas reconhecidos por sua transformação, imbuídos dos propósitos de vencer as más inclinações, pessoais ou coletivas? Que se apresentem! Antes que a undécima hora soe [10], e a vida planetária tenha sido, pelas omissões e pelas ações humanas, extinta!

Fontes:

[1] Kardec, A. (2004). “O livro dos Espíritos” [1857]. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE.

[2] Brasil. (2025). “COP30”. Governo Federal. Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Disponível em <https://www.gov.br/mdr/cop30>. Acesso em 18. Nov. 2025.

[3] Gil, G. Procissão. Chico Buarque. “Letras”. Disponível em <https://www.letras.mus.br/gilberto-gil/46237/>. Acesso em 18. Nov. 2025.

[4] Kardec, A. (2003). “O evangelho segundo o Espiritismo” [1864]. Trad. J. Herculano Pires. 59. Ed. São Paulo: LAKE.

[5] RSM (2025). Rotterdam School of Management. A história do beija-flor: como pequenas ações podem levar a mudanças positivas. Disponível em <https://www.rsm.nl/positive-change/our-positive-change-journey-starts-with-a-hummingbird/the-hummingbird-story-how-small-actions-can-lead-to-positive-change/>. Acesso em 18. Nov. 2025.

[6] Pires, J. H. (2002). “O Reino” [1967]. São Paulo: Paideia.

[7] Holanda, F. B. (1968). Funeral de um lavrador. Chico Buarque. “Letras”. Disponível em <https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45132/>. Acesso em 18. Nov. 2025.

[8] Kardec, A. (2021). “O Céu e o Inferno” [1865]. Trad. Emanuel Dutra. Guarulhos: FEAL.

[9] O ECK publica artigos sobre “Espiritualidade e Sustentabilidade” em seu portal. Disponível em <https://www.comkardec.net.br/category/espiritualidade-e-sustentabilidade/>. Acesso em 18. Nov. 2025.

[10] Referência final ao Capítulo XX, Item 1, de: Kardec, A. (2003). “O evangelho segundo o Espiritismo” [1864]. Trad. J. Herculano Pires. 59. Ed. São Paulo: LAKE.

Foto principal, Belém (PA), 07/11/2025 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, participa acompanhado de chefes de estado da foto de família na COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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