João Afonso G. Filho
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“Porque somos também parte disto, com ações e omissões”.
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A frase em destaque foi retirada de uma conversa objetiva com um amigo, recentemente, e repercutiu enquanto eu escrevia e reescrevia este artigo. Como o assunto que proponho discutir é uma problemática atual, vejo que ações e omissões tornam necessário abordá-lo de forma imparcial e propor sugestões e caminhos.
Diante do problema aqui em discussão — “donos de centro” — observamos que a ausência de organização gera desordem, mas o excesso de controle produz autoritarismo. Existem ainda outras situações, como a falta de pessoal para a continuidade do trabalho e a questão da “herança” dos fundadores ou antigos dirigentes, seja de parte da instituição como um todo ou dos grupos e suas reuniões.
Sobre a postura de “herança” (espírita proprietário), acredito que ela surja de alguns fatores históricos e humanos, pois muitos dirigentes tiveram suas formações religiosas em ambientes onde havia — e ainda há — autoridade centralizada. Nessas formações encontraremos padres, pastores e gurus, que automaticamente assumem a “personalidade” de presidentes de centros, “tribunos espíritas”, médiuns e, atualmente, a moda do “influencer espírita”. Ao adentrarem o movimento espírita, esses velhos hábitos de poder e hierarquia se destacam e destoam da proposta de Kardec.
Neste caos instalado em muitas instituições (inclusive federativas), entre os “donos”, destaco o personalismo, que, na verdade, é um reflexo do clericalismo que Kardec tentou extirpar. Cito aqui um estudo da “Revue Spirite”, de Outubro de 1865, sobre uma comunicação de um padre — “Partida de um adversário do Espiritismo para o mundo dos Espíritos” — onde são debatidos vários assuntos, com destaque para o tema do poder.
Infelizmente, muitos dirigentes transformaram as instituições em extensão de seu próprio ego e, assim, o local que deveria ser comunitário, fraternal e solidário vira palco para sua infeliz afirmação pessoal. Nessa postura, encontramos o autoritarismo revestido ou disfarçado de disciplina, ou até mesmo de “preservação doutrinária” e “proteção do patrimônio material”. Isso, em outras palavras, é resistência à renovação e fechamento às ideias e ideais nobres propostos por Kardec e pelos Espíritos que construíram a Doutrina Espírita.
Esse conservadorismo afasta novos (as) trabalhadores (as) e desestimula os que ali estão e não conseguem espaço. Um exemplo clássico ocorreu entre 1962 e 1995, com destaque para a União Espírita Mineira (UEM), quando uma presidência se manteve por mais de três décadas no poder.
Várias são as causas — desde a omissão e o comodismo até o medo de criar melindres. Essa postura pode ser enquadrada como resignação passiva: “pois é assim mesmo”, “não posso fazer nada” ou, ainda, “melhor não criar problemas”. E, dessa forma, o fenômeno “donos de centros” se alastra.
Urge que as instituições espíritas se organizem de forma disciplinada e democrática, visando, a médio e longo prazo, erradicar dos centros espíritas os “feudos pessoais”.
Cito um exemplo pessoal sobre o problema em análise: Quando tive a oportunidade de assumir a diretoria do centro espírita fundado por nossos pais, fui alertado a não me deixar envolver pelas tradições sobre ser “herdeiro” da instituição. Isso se deu pelo fato de vários diretores, trabalhadores e frequentadores terem, de forma robusta, afirmado publicamente que o centro, sob minha direção, teria continuidade justamente em função disso. De imediato, na posse da direção, afirmei que seria a única vez que o faríamos e que nossa contribuição, de agora em diante, seria coordenada de forma colegiada, onde a figura do presidente existiria apenas para cumprir as questões estatutárias, pois o centro era pequeno e contava com poucos trabalhadores.
Como reflexão, o centro espírita, enquanto escola do Espírito, deve se preparar para formar novos dirigentes, pois a permanência indefinida de uma mesma liderança bloqueia o crescimento coletivo e cria vinculações eclesiásticas.
Concluímos com Herculano Pires:
“O Centro Espírita bem dirigido por pessoas sensatas e estudiosas é uma concha acústica em que ressoam as vozes e os pensamentos dos Espíritos e dos Homens, no diálogo dos mundos, pois nele se encontram o mundo espiritual e o mundo terreno, nas possibilidades abertas pelos dons mediúnicos de que todos dispomos.
Os que deturpam a finalidade superior do Centro Espírita, sejam dirigentes ou frequentadores só interessados em vantagens imediatas, perdem a oportunidade de se elevarem a uma visão superior do mundo, do homem e da vida. Se cada frequentador do Centro quiser ajudá-lo na sua missão superior de preparar os homens para um mundo melhor, a dinâmica do Centro se intensificará para o bem de todos” (Pires, 1992: 115).
Fontes:
Kardec, A. (1964). “Revue Spirite”. Trad. Julio Abreu Filho. Supervisão de J. Herculano Pires. São Paulo: Edicel.
Pires, J. H. (1992). “O Centro Espírita”. Cap. XII. No Centro do Mundo. 4. Ed. São Paulo: LAKE.
Imagem de Fifaliana Joy por Pixabay

Novembro de 2025

