O Cansaço da Realidade, por Oliver Harden

Tempo de leitura: 2 minutos

Oliver Harden

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Como suportar um mundo onde nada mais pode ser pressentido, apenas verificado?

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Há um momento em que o mundo, saturado de si mesmo, começa a pesar sobre a alma. Não é a fadiga do corpo, nem o esgotamento das tarefas, é algo mais profundo, mais ontológico. É o cansaço da realidade, essa substância bruta que se impõe todos os dias, com a teimosia de uma pedra que não se deixa polir.

Vivemos cercados de fatos, mas famintos de sentido. A realidade, outrora campo de revelações, tornou-se um território de repetições. O sol nasce, o relógio gira, os rostos se sucedem, e nada, absolutamente nada, parece romper o círculo do mesmo. Nietzsche, que enxergou o eterno retorno como o mais terrível dos pensamentos, talvez não soubesse que, um dia, viveríamos essa repetição não como transcendência, mas como tédio. O homem moderno não teme o inferno, teme o cotidiano.

Há algo de exausto na própria estrutura do real. Tudo já foi dito, tudo já foi mostrado, tudo já foi vendido. O espetáculo da vida dissolveu-se em um fluxo contínuo de imagens, opiniões e simulacros. A realidade, antes sólida, tornou-se um ruído sem corpo, uma névoa de estímulos. E nesse excesso, o espírito se recolhe, como quem fecha os olhos para não enlouquecer diante da luz.

Talvez o cansaço da realidade seja, no fundo, a nostalgia do mistério. Durante séculos, o homem conviveu com o inexplicável, os deuses, os sonhos, o destino. Havia sombra nas coisas, e era essa sombra que as tornava belas. Hoje, a luz da razão e da técnica tudo expõe, tudo mede, tudo classifica. Vivemos sob a claridade insuportável da evidência. Como suportar um mundo onde nada mais pode ser pressentido, apenas verificado?

O cansaço não é apenas físico, é metafísico. É a fadiga de existir num universo decifrado demais. É o desejo de repousar, não no sono, mas no silêncio do que ainda não se sabe. O homem cansado da realidade é aquele que anseia por um intervalo ontológico, por uma fresta no tempo onde possa respirar o indizível.

Em última instância, o cansaço da realidade é o presságio de um novo tipo de busca, não mais por respostas, mas por mistérios. O espírito moderno, ao perceber que a realidade se tornou um fardo, começa, ainda que inconscientemente, a desejar o irreal, o simbólico, o poético. Cansamo-nos do que é porque esquecemos como imaginar o que poderia ser.

E talvez seja aí, nesse esgotamento, que o humano reencontre sua própria centelha. Porque quando o real nos fatiga, é a alma que desperta. É nesse instante que o homem, exausto de carregar o peso do mundo, descobre que o verdadeiro repouso não está em dormir, mas em sonhar com olhos abertos.

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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