Maria Cristina Rivé
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Para existirmos, é necessária a nossa relação com o outro, porque somos fundamentalmente seres sociais. A ética interpessoal faz com que reconheçamos a existência alheia para podermos nos reconhecer.
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O fato de ser Mulher e Espírita ou, ainda, Mulher Espírita não nos faz diferente das demais, nem torna as adversidades menores do que aquelas que são peculiares à mulher não-espírita. Senão, vejamos…
Desde priscas eras, os homens detinham/detêm a permissão social ao trabalho, ao estudo, à vida pública, ao voto, ao exercício pleno de sua condição humana, ou seja, ao progresso. Michelle Perrot (1928), historiadora, filósofa e professora emérita da Universidade de Paris, em seu contundente livro “Minha História das Mulheres”, aborda relatos de mulheres conhecidas por seu trabalho ou por sua posição social, mas não somente dessas. Mostra, sobretudo, as mulheres invisíveis, aquelas que são a base de uma sociedade que lhes vira as costas, haja vista não reconhecer sua força, tampouco sua importância no progresso da civilização. A autora, assim, dá visibilidade às diversas forças femininas, dedicando a cada uma o palco que receberá a narração de uma história única como de fato é a vida de cada ser.
Contudo, não é o normal: “au contraire”, é quase inexistente. Nesta sociedade patriarcal em que vivemos “somos a leve sombra” – como bem escreveu Perrot. Era/é o estar atrás do homem; e, junto a essa peculiaridade, somos definidas a partir do masculino. Tal como Simone de Beauvoir que era definida como ”a mulher de Sartre”… Sim, Simone, professora, filósofa, escritora, humanista era rechaçada com essa alcunha. A prova viva e inconteste de que tudo o que estudou e expôs para a sociedade, nada mais era do que uma constatação, a qual ela também fora vítima.
Tornar-se mulher, pois, é despertar… Pois não nascemos mulheres. É entender que, por mais que tenhamos alcançado progressos, aqui ou ali, isto não é (pode ser) o suficiente. Assim temos mulher e cores: cores claras a simbolizar a pureza; mulher e casa: para o recato necessário; mulher calada: para não dizer bobagens; mulher de consumo: mercadoria barata, para servir, procriar e, é claro, para obedecer!
Voltando à filósofa parisiense, ela enfatiza que, para existirmos, é necessária a nossa relação com o outro, porque somos fundamentalmente seres sociais. A ética interpessoal faz com que reconheçamos a existência alheia para podermos nos reconhecer. Todavia, para o feminino isso não é suficiente. Nesse jogo de percepção, ser mulher não seria suficiente para ser sujeito e ter uma identidade. O feminino está, assim, restrito à opressão, ao segundo lugar; portanto, é o segundo sexo.
O roteiro da vida segue traçado e apontado para o homem; à mulher resta lhe seguir os passos, porque ela não tem autonomia. Ao masculino, por extensão, é dada uma infinita liberdade e esse restringe a liberdade feminina. O essencial é o masculino o feminino não possui a existência em si, já que é moeda de troca: simplesmente, por ser mulher ela é (uma) mercadoria, que não tem poder sobre seu corpo nem sobre sua mente. Não possui vontade, pois o poder está nas mãos masculinas. É a sociedade heteronormativa e quem cabe nela é o padrão.
Então, cabe perguntar: És padrão?
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay





Obrigada pelo texto. Mulheres somos e como mulheres lutamos, sempre.
Deixo apenas uma pergunta: quem define ou estabelece o que deve ser padrão?
Excelente texto, Rivé!