Conselho Editorial
Do pensamento à ação social estruturada. Porque é preciso deixar de ser apenas uma “boa intenção” na marcha da Humanidade
As ideias seguem vicejando, como frutos a cem por um, a partir da semeadura, como teria afirmado o Magrão numa daquelas inesquecíveis tardes junto ao Lago de Genesaré. Falava ele dos semeadores que empunham outras sementes, aquelas que os animais não correm nem podem ser objeto de saqueamento.
Sim, as ideias, como a mola propulsora do progresso da Humanidade, na exata dimensão de se materializarem em ações. Transformadoras, em essência, que polarizam as revoluções sociais – as quais, debruçando-nos sobre a trajetória planetária, envolvem lutas, muitas delas sangrentas, justamente pela oposição que uns e outros, humanos, consagram para a defesa de suas idiossincrasias.
Evocando Kardec e os seus interlocutores invisíveis, vamos encontrar uma mesma orientação, que se repete na obra primeira (“O livro dos Espíritos”, “Lei do Progresso”, “Marcha do Progresso”, Item 784) e na derradeira (“A Gênese”, Capítulo III, “O bem e o mal”, Item 7). O mal alcança um patamar intolerável, fazendo com que individualidades e coletividades empreendam as necessárias reformas, para alcançar o bem.
Por isso, nos recordamos de uma frase dita por um professor em singela sala de aula de escola pública, ante velhas carteiras e um quadro de giz: as boas intenções e ações não podem ser um belo livro na estante. Ficam ali, à espera de que alguém os manuseie, e esse dia nunca chega. Na biblioteca, a bonita e reluzente capa até chama a atenção, mas ninguém demonstra, por ele, o mínimo interesse.
É assim que, em sendo espíritas, nos sentimos nos dias atuais, diante de tantas mazelas sociais, iniquidades, lutas, guerras e, é claro, o “mar de incompreensão” que é a realidade diária das redes sociais – as arenas do nosso tempo. E, costumeiramente, mesmo que a ambiência virtual, com as fotos de IA e os perfis sem identificação ou as contas fakes, seja mais “segura” e “cômoda” para os “sparrings” e as “fights” em pontos de equidistância, os embates também ocorrem nos ambientes presenciais, em qualquer local ou momento – desde que, é claro, dois (ou mais) queiram brigar. E como os há…
Resta saber como fazer o livro sair da estante. Do simbolismo à realidade, como é que os espíritas efetivamente irão influenciar o progresso, como o Professor francês, ufanista e otimista, sempre acreditou e prelecionou.
Marcelo Henrique e o seu “Espíritas: Pensar? Para quê?” sugere o ponto de partida para qualquer (boa) iniciativa humana. Exercer, lidimamente, um dos mais destacados direitos-deveres espirituais – considerando que quando o ser se torna Espírito, depois de deixar de ser (mero) princípio espiritual, pensamento e consciência são seus caracteres intrínsecos e indissociáveis. E, além de pensar, expressar o pensamento, também com o cânone da liberdade, Diz ele: “O que o movimento espírita precisa, urgentemente, constatar e vivenciar é a diversidade de pensamento, a pluralidade de opiniões e a alteridade na convivência entre os que pensam — ainda que em pequenos pontos — diferentemente. Não há uma única “forma” de pensar espírita, tampouco uma única maneira de “ver e entender” o Espiritismo”.
Então, olhamos para o nosso derredor, isto é, para o “meio espírita” (feliz expressão do Professor Herculano Pires, para representar o cenário onde os espíritas se reúnem – no desejável paradigma enunciado por Kardec, o da afinidade de propósitos e o da comunhão de pensamentos – para ler, estudar, aprender e edificar ações “à luz do pensamento espírita”. Notadamente, as instituições ou os centros espíritas.
Assim, observando este “locus”, João Afonso G. Filho é cirúrgico ao pontuar “O fenômeno dos “donos” de centros espíritas”, com a evidência do personalismo e do autoritarismo que derivam de nossas heranças religiosas-clericais. Ele vaticina: “muitos dirigentes transformaram as instituições em extensão de seu próprio ego e, assim, o local que deveria ser comunitário, fraternal e solidário vira palco para sua infeliz afirmação pessoal”.
Das “arenas” espíritas para as sociais, abertas, sob quaisquer formatos e composições, vem o alerta da necessidade de “recuperar o espaço da reflexão”, em conjunturas realmente democráticas, com indivíduos capazes de questionar, ponderar e dialogar, antes de aceitar qualquer narrativa”. Porque é preciso que nos libertemos dos “nossos guetos do pensamento, manipulados, divididos e incapazes de exercer, de forma crítica, nosso papel na sociedade”, como alerta Felipe Felisbino, em “Entre máscaras e aplausos: vozes vazias”.
Notadamente, no enredo da convivência, os personagens Eu-Tu são os protagonistas de todas as andanças, colóquios e aprendizados. Diante do “senhor tempo”, que nos alcança na incomensurabilidade das experiências – em tantas vidas, à luz da palingênese – nas dinâmicas de Cronos e Kairós, os tempos cronológico e qualitativo. Wilson Custódio Filho explana: “grandes pensadores, ao mergulharem na essência do Eu e do Tu, buscaram expressar: o esplendor silencioso que pulsa em nós”, para descortinar a presença, a escuta, mas também o necessário silêncio, em “O Tempo e o Espírito: entre o Cronos e o Kairós”.
Ora, pois, senhoras e senhores, apresentamos-lhe, com o apoio em Nelson Santos, “A era da incerteza”, porque “O mundo mudou, a humanidade mudou, as religiões mudaram, as guerras aconteceram e ainda acontecem, os bastiões filosóficos-metafísicos-espirituais empobreceram, as democracias também… E os ventos de um mundo melhor não sopram com a força necessária para afastar as nuvens de trevas que o permeiam”. Só que continuamos, como Humanidade, “esquecendo do que significa o radical humano”.
É hora, pois, de lembrar e relembrar, ainda que muitos desejem continuar esquecidos…
Porque há um embate – renovado, permanente, transcendente – entre licitude/ilicitude e conveniência/inconveniência, como expressa a célebre prédica de Saulo/Paulo, o de Tarso. E, na seletividade de pensamentos, palavras e ações, há aquele refrão inicial de liberdade, expresso no primeiro artigo desta edição, reforçado e especificado na “Libertação da tirania dos costumes cegos, da pressão social e da escravidão aos nossos próprios impulsos inferiores, como expressa Adauto Santos, no seu “Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém”, consignando que consciência, educação do pensamento, disciplina dos hábitos e segurança das metas nos fazem, diante dos elementos lícitos, preferir a conveniência (espiritual, ética, e não mais particular e egoística) que nos endereça ao progresso.
É, então, sob tais premissas e paradigmas, que podemos – mais que pensar ou falar – construir um movimento que, enfim, se engaje em “discutir sob a ótica espírita, as pautas sociais, que nada mais são do que os problemas humanos”. É esta a ousada proposta de Cláudio Bueno da Silva, no artigo “Um pouco sobre a doutrina social espírita”, uma vez que é compromisso da Filosofia Espírita alterar e consagrar novos padrões de pensamento e comportamento: “Os espiritualistas progressistas, os libertários, não terão lutado em vão. A liberdade, a igualdade e a fraternidade preparam-se para acolher de braços abertos, finalmente, os que sempre sonharam com elas”.
Mas, olha só! O belo livro não está mais lá na (empoeirada) estante… O que teria sido feito dele? Será que foram as traças que o danificaram, ou alguma goteira o levou à condição de inservível? Não! Espera… Estou vendo uma reunião, lá no salão nobre da biblioteca. Veja quanta gente! E uma mulher, sorridente, está com aquele livro nas mãos. E há muitos pedindo a palavra. Acredito que, logo, vão sair por aí… E a semente irá dar frutos “a cem por um”.
Você não acredita?
Imagem de David Krüger por Pixabay

Novembro de 2025

