A Passagem, por Alanderson Hudson

Tempo de leitura: 2 minutos

Alanderson Hudson

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Aquele céu já não era o mesmo céu que ele havia conhecido, era “um céu carregado e rajado, suspenso no ar”

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Nos últimos tempos ele bebia, não por prazer e sim para disfarçar a tristeza e principalmente para enganar a dor. Ele estava doente, porém o mundo estava muito mais.

Chegou trôpego e precisou de ajuda para entrar no elevador… Entrou no apartamento e ainda teve forças para vestir o Pijama, afinal de contas para ele era permissivo sair na rua de Pijama, mas jamais se deitaria com a roupa da rua.

Falando em rua, naquela noite e em outras tantas, constatou tristemente que ele era apenas mais um… Ledo engano.

Nas imediações de seu apartamento a cidade mantinha seu ritmo frenético, num vai e vem de carros e pessoas que sequer supunham que a vida passava rápido demais entre a massa e o caminhão.

Falando em passar, ele pensou: –”Os homens passam e as músicas ficam”. 

Depois teve um sobressalto: – Será que minhas músicas também vão passar? 

Seu maior medo, era ser esquecido. Outro engano…

Colocou um VHS do Elvis, tomou a derradeira saideira, fumou um cigarro e foi dormir quase em paz. Sonhou com um caminho bonito rasgado na mata que outrora havia sido virgem. Encontrou um igarapé e se banhou nele. Raul adorava água e além de haver perdido o medo da chuva ele agora era amigo dela. Lembrou de Dias D’Ávila, sentiu saudade de suas lindas fontes e chorou baixinho junto com a chuva fina que insistia em lhe acompanhar sem deixar vestígios.

Estava sentindo que encontraria naquele caminho que ele mesmo havia escolhido, a dama misteriosa vestida de cetim que ele sempre havia detestado mas que amava ao mesmo tempo… Um flashback lhe passou pela cabeça, as filhas, a família, os palcos, os amores que ele não soube viver e alguns poucos amigos verdadeiros.

Leu, no sonho, numa plaquinha na trilha: – ” Viver é ser feliz e nada mais…”

Voltou a sorrir e no mesmo instante procurou ver as coisas como elas realmente eram, sem falsas conclusões, e compreendeu imediatamente que precisava tentar uma coisa nova. Ele já havia feito sua parte e a semente que havia ajudado a plantar já havia nascido. Estava chegando o momento de Raul encarar o Raul Seixas…

Olhou para cima e notou que aquele céu já não era o mesmo céu que ele havia conhecido, era “um céu carregado e rajado, suspenso no ar”. Sentiu uma dor forte no peito e o sabor de um beijo, abriu os olhos assustado e percebeu que  estava novamente em seu quarto e a última coisa que viu, nesse plano espiritual, foi o Elvis se despedindo no palco.

Fechou os olhos outra vez e, em seguida, tornou a abri-los aliviado, despertando para sempre do curto sonho da vida em algum lugar do universo…

Imagem, autor desconhecido – Arquivo Nacional, Domínio público, Commons Wikimedia.org 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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