A era da incerteza, por Nelson Santos

Tempo de leitura: 4 minutos

Nelson Santos

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O mundo mudou, a humanidade mudou, as religiões mudaram, as guerras aconteceram e ainda acontecem, os bastiões filosóficos-metafísicos-espirituais empobreceram, as democracias também… E os ventos de um mundo melhor não sopram com a força necessária para afastar as nuvens de trevas que o permeiam.

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A expressão “A era da incerteza” já foi cunhada por diversos autores, transitando entre várias matizes com a busca impávida de soluções para uma sociedade com mazelas sociais, sanitárias, econômicas, políticas, psicológicas, morais e espirituais. Embora a palavra “era” seja um substantivo que determina um determinado momento temporal, ela é o que melhor caracteriza a somatória das incertezas que assolam a Humanidade, em contraponto ao movimento constante, que toma vulto notadamente após o advento do Iluminismo e os ideais libertários da Revolução Francesa.

Assim, a sociedade liberta das amarras feudais e organizando-se em classes trabalhadoras, procura a independência e o bem-estar, livres da reprimendas autoritárias dos déspotas e monarquistas, evoluindo para um novo patamar sociocultural: as de almas livres e senhoras de seu próprio destino almejando sobretudo a justiça social e igualitária. Esse inconformismo revolucionário e evolucionário, com a sombra da incerteza nas questões fundamentais, sociais e culturais, impulsiona, pois, a busca no conhecimento e no intelecto as soluções para mitigá-las.

Se a Sociologia — inclusive a Espírita —, estuda a sociedade, o comportamento dos indivíduos perante o meio e os processos que os interligam em grupos e instituições, a Filosofia Social é o estudo do mundo social, dos fundamentos, do comportamento social e da interpretação da sociedade a partir dos seus valores éticos. Ela analisa, portanto, as identidades, as relações e as estruturas de poder dentro do mundo social, visando compreender os percursos, as mudanças e as tendências das sociedades humanas. 

Por sua vez, a Filosofia Espírita, notadamente de tez social, abarca tais conceitos elevando-os ao plano metafísico, estudando as consequências científicas e filosóficas, com os abarcamentos éticos e morais dessas relações entre o mundo material e o espiritual, buscando a necessária interrelação entre as duas realidades.

Seja na ciência natural, física ou humana, como na do Espírito ou espiritual, a incerteza é o fator impulsionador do progresso; ela é a base da compreensão, das descobertas, das teorias, bem como a ponte para perspectivas futuras, na busca infinita de respostas, ainda que, por vezes, excruciante.

Rivail era, notadamente, um homem com capacidades intelectuais ímpares, sustentando, na metade do século XIX, que o pensamento filosófico e científico do Espiritismo seria determinado por fases ou períodos, na “Revue Spirite”, de dezembro de 1863. Interpretando-as livremente, as denominamos aqui como eras por uma questão de amplitude, ressaltando que o seu estabelecimento, pelo Professor francês, se deu pelo fato de cada uma delas possuir características próprias e específicas. 

Porém, uma delas merece de nós maior acuidade: a era de Lutas, porquanto essas confrontaram-se e ainda confrontam-se com as incertezas geradas. Não podemos, pois, nos ufanarmos de que dela já saímos, porque as lutas continuam se estendendo, compondo o próximo período enunciado por Kardec, o religioso. Neste último, assoberbamos as nossas incertezas: se, àquela época, havia os inimigos do Espiritismo em seu próprio seio, tal qual na atualidade nos sobeja, porquanto depois de adentramos à era religiosa, por todo o Século XX e, ainda, nestas primeiras décadas do XXI, seguimos percebendo um religiosismo excessivo calcado na miscelânia roustainguista-teosófica-vedante, equidistante da era intermediária, que Kardec estabeleceu como sequencial, a qual seria o ponto de equilíbrio para a era (e um mundo) de regeneração.

O mundo mudou, a humanidade mudou, as religiões mudaram, as guerras aconteceram e ainda acontecem, os bastiões filosóficos-metafísicos-espirituais empobreceram, as democracias também… E os ventos de um mundo melhor não sopram com a força necessária para afastar as nuvens de trevas que o permeiam.

O Espiritismo pós-Kardec está bastante enfermo, como toda a Humanidade. Talvez esteja, até, em uma fase terminal (o “homem velho”), nos fazendo recordar da comunicação dada por Erasto na mesma “Revue Spirite”, de dezembro de 1863. Ela segue atual como nunca:

“Não vos martirizarão corporalmente, como nos primeiros tempos da Igreja; não erguerão fogueiras homicidas, como na Idade Média, mas vos torturarão moralmente; armarão ciladas, armadilhas tanto mais perigosas quanto usarão mãos amigas; agirão na sombra; recebereis golpes, sem que saibais de onde partem, e sereis feridos em pleno peito pelas setas envenenadas da calúnia. Nada faltará às vossas dores; suscitarão defecções em vossas fileiras e os pretensos espíritas, perdidos pelo orgulho e pela vaidade, se prevalecerão de sua independência, exclamando: “Somos nós que estamos no caminho certo”, a fim de que os vossos adversários natos possam dizer: “Vede como são unidos” Tentarão semear o joio entre os grupos, provocando a formação de grupos dissidentes; cooptarão os vossos médiuns para fazê-los entrar no mau caminho ou para desvia-los dos grupos sérios; empregarão a intimidação para uns, a captação para os outros; explorarão todas as fraquezas. Depois, não esqueçais que alguns viram no Espiritismo um papel a desempenhar, e um papel de primazia, que hoje experimentam mais de uma desilusão em sua ambição. Prometer-lhes-ão de um lado o que não puderem achar no outro. Depois, enfim, com dinheiro, tão poderoso em vosso século atrasado, poderão encontrar comparsas para representar indignas comédias, visando a lançar o descrédito e o ridículo sobre a doutrina”…

Adentramos e seguimos no século XXI vislumbrando ainda a iniquidade social, a falta de ética e moral, a disputa por poderes ilusórios e autocráticos, inclusive no meio espírita. E, assim, a Humanidade vai se esquecendo do que significa o radical humano. E não é possível eximir os espíritas de tal cenário.

E a incerteza permeia como nunca…

Fonte:

Kardec, A. (1964). “Revue Spirite”. Dezembro de 1863. Trad. Julio Abreu Filho. Sup. J. Herculano Pires. São Paulo: Edicel.

Imagem de Steve Buissinne por Pixabay


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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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