Contraponto maldito, reflexão bendita: a importância de espaços como o ECK, por Marcus Braga e Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 7 minutos

Marcus Braga e Marcelo Henrique

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Por ser “diferente”, o ECK aglutina, em relação a si, muitos admiradores, seguidores e leitores ou videoespectadores (em suas variadas plataformas e redes sociais), assim como “opositores”, que manifestam contrariedade em relação ao que é exposto pelo Coletivo. Não há qualquer problema nisso, diante da premissa kardeciana (e ECKana) do livre-pensar espírita. Desde que seja feito, o contraponto, mesmo maldito, com educação, elegância e respeito.

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Falecido no limiar do século XXI, o jornalista, dramaturgo e ator santista Plinio Marcos (1935-1999) recebia pejorativamente a alcunha de “o maldito”, por ter sido sua produção intensamente censurada no período militar, em especial por dar espaço a realidades invisibilizadas, trazendo a pauta assuntos indigestos e necessários, pessoas marginalizadas, fora do mainstream.

O mundo, apesar de maltratar quem assim o é, necessita dos malditos, dos que trazem para o debate os temas anti hegemônicos, ouvindo vozes de minorias, propiciando reflexões em relação a situações que se apresentam, permitindo relevantes sínteses e amadurecimentos.

Existem diversos espaços para os “malditos”, e eles tem um papel central no que se denomina “movimento espírita” – meio espírita, na feliz expressão de Herculano Pires (1914-1979) –, em especial pela capacidade de trazer para o debate e para a reflexão aquilo sobre o que não se fala, ou ainda, sobre vieses e interpretações, seja do senso comum sobre dados temas ou em relação a fatos cotidianos, e que podem ser ponderados a luz dos saberes essenciais da Doutrina Espírita, favorecendo, portanto, um debate de qualidade e profundidade.

Plinio Marcos (1970), imagem autor desconhecido – Arquivo Nacional, Domínio público

Mas, esse olhar, por vezes, invoca ódios, intolerância, perseguições, combates – e, no cenário da modernidade cibernética, “cancelamentos” – dado que conceder espaço a outras vozes (sobretudo aquelas que usualmente não podem/conseguem se expressar), joga luz sobre o invisível, mas também ilumina pontos de vista com evidentes equívocos e que, por vezes, têm servido para iludir indivíduos e coletividades espíritas ou desconsideram, seja acidental, seja propositadamente, aspectos essenciais à luz da doutrina espírita. 

No Espiritismo, dispomos felizmente de alguns espaços de contrapontos. Neste caso, podemos falar do Coletivo “Espiritismo com Kardec – ECK”, que se espraia em lives, artigos, revistas, documentos, editoriais e outras formas de articulação e comunicação, sendo revolucionário por ser fiel a essência kardequiana sem descolar de uma visão humanista e vinculada à realidade individual e social planetárias.

Onde, senão no ECK, encontrar uma ampla, permanente e progressiva Biblioteca de Saberes (Espirituais e Espíritas)? Que outra plataforma espírita da atualidade incursiona sobre a amplitude temática e – sem deixar de lado, posto que igualmente essencial – a pluralidade de análises, interpretações e visões, que pertencem a distintas “correntes” do pensamento humano, aplicadas à temática espírita?

Quando, senão hoje, porque ontem já passou e o amanhã, além de relativamente incerto, poderá ter outros contornos e resultados, a partir dos atos presentes, se têm ao “toque dos dedos” e na distância de um “palmo do nariz”, tanta diversidade conceitual, doutrinária e comunicativa, senão nas suas plataformas?

Como, senão em face do interesse e das buscas, acessar conteúdos amplos, com profundidade e embasamento teórico e prático, disponíveis “a um ou poucos cliques”, permitindo a cada Espírito (falemos dos encarnados, é claro, que têm relação com os meios em questão) que construa seu próprio pensamento, seus raciocínios, suas lógicas, distante de comportamentos vigente nas ambiências espíritas, de “engolir” sem contestar, de aceitar sem avaliar, de concordar para não incomodar?

Metamorfoses

Amplitude temática: a pluralidade de análises, interpretações e visões do Coletivo ECK.

Esses espaços de debates não pretendem mudar o mundo, mas se direcionam a abalar as “verdades” e as convicções, sempre em decorrência da sempiterna busca de provocar a reflexão. Para ilustrar esse espírito pode-se falar de trecho da música “Balanceiro” (2021), de Juliana Linhares: “Eu não posso mudar o mundo/Mas eu balanço/Mas eu balanço/Mas eu balanço o mundo”, que reflete bem essa visão.

Ou, é claro, não esquecer do hino de Raulzito, sua própria autobiografia cantante: “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo” (“Metamorfose Ambulante”, 1973 – rapaz! Já faz mais de cinquenta anos!).

Balanços desse tipo, assim como Metamorfoses dessa natureza, são os realizados por textos, falas, imagens, roteiros, debates, por movimentos que geram movimentos, que até podem não mudar o mundo de forma revolucionária, disruptiva, ou na integralidade que reforma edifícios sociais, mas dão uma sacudida, provocam outras reflexões, novos olhares, que são benditos – ó bendito fruto!, sem medo de estar blasfemando – dos quais surgem outros frutos, que podem ser colhidos em outros tempos, no qual a causalidade se perde…

Uma outra lembrança é também apropriada: Gregório de Matos e Guerra (1636-1696), advogado e um dos maiores poetas do Barroco, em Portugal e no Brasil, alcunhado de o Boca de Brasa ou, mais interessantemente, o Boca do Inferno. Sua trajetória, à época, foi marcada por uma destacada produção literária no gênero ácido, por vezes sarcástico e satírico, numa crítica à administração colonial brasileira, bem como à fidalguia brasileira e ao clero (então moralista e corrupto), todos daquele período.

Nossos céus e infernos são aqui, ora… No pêndulo íntimo, nosso psiquismo é que registra os instantes de alegria/tristeza, júbilo/dor, sucesso/fracasso, encantamento/decepção. Esta dualidade é da própria vida, a existência espiritual, na carne e fora (além) dela. Ainda que, propriamente, a palavra inferno tenha a ver com a construção mítico-mística do Cristianismo (e, antes dele, do próprio Judaísmo) e seus dogmas, penso que seja apropriada uma reconstrução da palavra, tal qual já se fez com a palavra demônio (do grego “daimon”, simbolizando o Espírito – seja o “do bem”, ou o “do mal”. Inferno, assim, passa a ser configurado – por nós, do ECK – como o transcendente provocativo, o espiritual instigante, o instinto revolucionário, o intelecto transformador, a moral em amplitude…

Imagem: Retrato do poeta, de autoria de F. Briguiet (século XIX).

Há, no ECK, marcantemente, a partir da postura lógico-racional que o Coletivo empresta a todas as suas análises, sejam aos editoriais ou institucionais, seja grande parte dos artigos assinados que publica em seu Portal – assim como, também, a apresentação de distintas temáticas espiritualistas e espíritas em sua programação de “lives” – uma forma peculiar de humor crítico, que parte do si mesmo (pessoas que fazem o ECK e o próprio grupo). 

Entende, o ECK, que a alegria deve permear todas as atividades espirituais-espíritas e deve ser um veículo de aproximação entre as pessoas. Para lembrar Kardec, quando exortou acerca da característica essencial e formativa dos grupos/instituições espíritas de seu tempo, ter destacado a afinidade de propósitos e a benquerença entre os membros como bases do êxito.

Igualmente é possível enxergar nas atividades do ECK, um pouco de Juca Pato, um personagem criado pelo jornalista e caricaturista Benedito Bastos Barreto (1896-1947), conhecido como Belmonte, para traduzir as críticas e aspirações de boa parte da população da cidade de São Paulo (SP), sobretudo atacando a corrupção e a arrogância, defendendo os “fracos” (hoje, os hipossuficientes). E o fazia sem primarismo, grosseria ou deboche, apontando para o refinamento intelectual e das leituras, o estudo e a erudição.

DNA ECKano

Imagem: Gravuras de Juca Pato, de Belmonte. Reprodução de publicação do Blog do Gutemberg.

De modo jucapateano, o ECK é crítico em relação ao meio espírita (também chamado por muito de “movimento espírita”) – que simboliza o “modus operandi” dos que se dizem espíritas, em suas expressões verbais ou escritas, como também em termos de diretrizes e orientações institucionais (sobretudo, em termos de Brasil, egressas da Federação Espírita Brasileira – FEB).

Outra fonte de inspiração ECKana é, sem dúvida, Millôr Fernandes (1923-2012), desenhista, dramaturgo, escritor, poeta, jornalista, tradutor e humorista brasileiro (presente em Veja, O Pasquim e Jornal do Brasil), reconhecido, sempre, por suas frases provocativas e bem-humoradas, na forma da ironia e da crítica (sociopolítica e dos costumes sociais), assim como notável espírito provocativo. O jornalismo (comunicação social) que o ECK realiza encampa essa anarquia simbólica de desafiar as convenções impostas por alguns que se encastelam em seus poderes temporais – sobretudo, no nosso caso, os que derivam da popularidade (insossa e rasa) das massas ou da estatura/autoridade institucional dada por organismos auto eleitos ou reconhecidos pela “maioria” e, nos dois casos, totalmente dissociada com a ideia kardeciana de concordância universal (dos ensinos espirituais) e respeito a princípios e fundamentos da própria Filosofia Espírita.

No tecido que vai se compondo a partir da trajetória destes autores e, também, seus personagens, o ECK se destaca (e se distancia, naturalmente) – não por vaidade ou orgulho, mas por expressão do livre pensar – em relação à totalidade das expressões de cunho espírita (seja no Brasil, seja nos demais “países espíritas”). Esta marca – que também já denominamos como DNA – é indelével em cada uma das “aparições” do ECK, em textos, imagens e vídeos.

Notadamente, por isso, e por ser “diferente”, o ECK aglutina, em relação a si, muitos admiradores, seguidores e leitores ou videoespectadores (em suas variadas plataformas e redes sociais), mas, também, por outro lado, “opositores”, isto é, indivíduos que por vezes se manifestam (num comentário no Portal, no canal YouTube ou na reprodução de conteúdos nas demais mídias sociais), com contrariedade em relação ao que é exposto pelo Coletivo. Não há qualquer problema nisso, diante da premissa kardeciana (e ECKana) do livre-pensar espírita. Todavia, devemos lembrar, que a “crítica pela crítica” (isto é, aquela desarrazoada, imotivada ou gratuita), assim como o uso de verborragia violenta e intimidadora, assim como, lamentavelmente, a expressão de impropérios, não é permitida nem endossada em nenhum dos canais do ECK. Ou seja, é absolutamente imprescindível EDUCAÇÃO, ELEGÂNCIA e RESPEITO. Se as referências estabelecidas pela Filosofia Espírita são, desde sempre, o enquadramento da progressão espiritual em duas linhas paralelas e integradas, intelectualidade e moralidade, o ECK não valida nem permite que a questão ÉTICO-MORAL seja afastada, sob qualquer hipótese.

Em sentido oposto, a crítica inteligente, construtiva, pontual e educada é bem-vinda sempre e é valorizada pelo Coletivo ECK, justamente em decorrência da mencionada progressividade (de conceitos, de interpretações, de indivíduos e coletividades). O ECK, assim, APRENDE todos os dias, com pessoas e instituições e, também por isso, podemos dizer que temos estabelecido parcerias significativas com pessoas, grupos e entidades sociais espíritas, todas as vezes que os objetivos sejam comuns e conciliáveis.

Assim, segue a toada (“Na direção do dia”, Boca Livre, 1979), toca-se “A banda” (Chico Buarque, 1966), pois vamos caminhando e cantando, (“Pra não dizer que não falei das flores”, Geraldo Vandré, 1979), entoando “a música que encanta e nos alimenta” (“Cantar”, Jessé, 1983), “ao sol de todo dia” (“Canto de um povo de um lugar”, Caetano, 1975).

O ECK é tudo isso: o maldito, o balanceiro, o boca do inferno, o Juca Pato, o pasquim… Tudo isso junto e misturado, como diz a moçada. Nem mais, nem menos. Organicamente, coletivamente, fraternalmente, revolucionariamente, progressivamente, espiritualmente.

Se precisar de um colo… Se necessitar uma sacudidela… Se estiver querendo um abraço… Se precisar de um banho de realidade… Se quiser externalizar um desabafo… Se quiser cantar junto… Se a hora for para meditar… Se o desejo for um canto para rir ou pra chorar… Se não estiver se encontrando… Se a hora for de gratidão…

O contraponto maldito te espera! Vem!!!

Imagem de Marc Pascual por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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One thought on “Contraponto maldito, reflexão bendita: a importância de espaços como o ECK, por Marcus Braga e Marcelo Henrique

  1. O ECK é isso tudo e o melhor é que com ele aprendemos algo novo todos os dias. Não podemos mudar o mundo, mas podemos abanar o pensamento dos que pensam que já sabem tudo.Grata por mais um excelente texto.